Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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DES-EMBRANQUECENDO A ARQUITETURA
Gabriela Leandro Pereira

Última alteração: 2020-08-19

Resumo


A sessão livre “Des-embranquecendo a Arquitetura”, visa apresentar algumas perspectivas de pesquisas implicadas em atravessar as discussões do campo da arquitetura e da cidade, com abordagens nas quais as questões raciais encontram-se imbricadas e indissociáveis de suas dimensões políticas, simbólicas, históricas, culturais, estéticas e representativas. Pensado enquanto um painel comprometido em formular tanto reflexões críticas quanto experimentações teóricas e metodológicas, as distintas comunicações provocam interlocuções entre territórios descontínuos, que pensados à partir da perspectiva afro-atlântica, acumulam dinâmicas, processos, tecnologias, saberes, ofícios, expressões culturais que, embora constituam o cerne da experiência diaspórica negra nas cidades brasileiras, são lidas sob lentes e chaves embranquecidas e insuficientemente elaboradas para acolher, adensar, complexificar tais existências e entendimentos de seus significados e sentidos.

São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES) e Belo Horizonte (MG) são cidades à partir das quais as pesquisas se debruçam para construir suas leituras e interpretações em ressonância com o pensamento de intelectuais feministas negras, teóricos da decolonialidade, poetas, compositores, sambistas, artífices, entre outros interlocutores acionados pelo reconhecimento de seus marcadores raciais, mas não só.

No trabalho “Os construtores não-anônimos da cidade e a urgência em des-pensar a arquitetura: uma homenagem à João Carlos Pereira”,  o sujeito, em geral anônimo, das referências, pesquisas, historiografias e crítica da arquitetura brasileira, ocupa lugar de guia para a formulação de uma narrativa sobre a construção da cidade e suas arquiteturas no século XX. O autodidata João Carlos Pereira, descendente de escravizados angolanos, que migrou das fazendas da região serrana do Espírito Santo para a capital, Vitória, ainda menino, exerceu seu ofício de marmorista por mais de cinquenta anos. Tendo trabalhado em diversas obras, tanto anônimas quanto algumas que vieram a ser tombadas pelos institutos de preservação, coloca em cena perspectivas de uma história da arquitetura brasileira não dada. Mobilizado por autores como Sueli Carneiro, Denise Ferreira da Silva, Maria Aparecida Bento e Paul Gilroy, o ensaio se realiza na interlocução com essa presença negra, constante e ignorada, revelando-o enquanto sujeito íntegro e integrante da história da arquitetura brasileira, apresentado a partir de dimensões muito próprias do universo da produção arquitetônica e suas implicações raciais.

Em “Unindo as contas do Rosário: racismo e presença negra nas disputas em torno da implantação da cidade de Belo Horizonte”, a proposta é percorrer o intricado processo de formação da cidade de Belo Horizonte, recolhendo os vestígios da presença de sujeitos racializados e suas organizações na disputa da cidade.  Fundada como uma cidade planejada para modernizar a sociedade mineira e apagar o passado escravocrata, Belo Horizonte estabeleceu-se sobre os escombros do antigo Curral del Rei, povoado majoritariamente formado por pessoas negras e com forte presença das Irmandades do Rosário.

O objetivo das classes dominantes, evidenciado por declarações de governantes e responsáveis pelas obras e projetos arquitetônicos e urbanísticos, era fazer de Belo Horizonte uma cidade moderna, de proprietários e branca, o que não se concretiza. Ao longo de sua história há o incremento, tanto da população negra como de organizações que carregam o Rosário.  Nesse sentido o trabalho visa percorrer a história de fundação de Belo Horizonte, identificando a agência dessas organizações na  disputa e produção da cidade.

Em "Frequência das existências: composição sobre raça, arquitetura e música", é proposta a elaboração de uma composição teórica que parte das distintas frequências de vida racializadas. O estímulo dessa construção ganha potência diante na urgência de pensar a articulação, retomada e teorização de quais as narrativas sobre a cidade a música pode nos contar. A partir de construções conceituais como "frequência" e "vibração", alguns dos equívocos do colonialismo que se desdobram a partir do embranquecimento e ocidentalização da arquitetura e do urbanismo  são expostos na negação que se faz em relação à importância das existências corporais e culturais para esse campo. Para o momento, a articulação entre as questões é provocada pela  multilocalidade de experiências, representada em dois bairros: Casa Verde, bairro localizado na Zona Norte da cidade de São Paulo e do Harlem, localizado em Manhattan na cidade de Nova Iorque. Tais movimentos e notas são retomadas diante de um passado presente, que conduz ao desejo de contar futuros completos, provocados pelo embate com frequências hegemônica, a fim de des-compor para recompor os processos e práticas na arquitetura e urbanismo.

Esse trabalho "A  presença das "tias do samba" na construção de espaços, encruzilhadas, trincheiras e fronteiras de relações étnicas na cidade negra do Rio de Janeiro"  busca dialogar a “invenção” do samba através de atores centrais para essa construção - as tias do samba.  Isso se dá no periodo de configurações urbanas dos fins do século XIX e início do XX na cidade do Rio de Janeiro, tendo como elemento transversal, o processo urbanos realizados na gestão de Pereira Passos. Entre estas delimitações, a Pequena África de Tia Ciata seria um ponto dentro de diversas praças negras que estão conectadas, sendo atravessado por relações rizomáticas de uma rede negra inacabada. sse conjunto de redes e relações é presente também na criação escolas de samba com a presença de tias cariocas, mineiras e fluminenses, tais como: a Tia Ester de Osvaldo Cruz, as tias mangueirenses, como a mineira Tia Fé ou Tia Tomásia, presentes no processo de fundação da Mangueira; e a jongueira Maria Rezadeira, que trouxe para a Capital Federal práticas aprendidas na fazenda onde nasceu. Essas ‘tias’ ficaram famosas pelos sambas e candomblés que realizavam e pelos blocos e ranchos que organizavam. Suas casas constituíam-se em centros de resistência cultural, núcleos de onde se espraiavam as bases do carnaval e da música popular, predominantes no Rio de Janeiro.


Palavras-chave


racialidade; arquitetura; diáspora; cidades

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