Última alteração: 2020-08-19
Resumo
Do latim contemporaneus, o vocábulo “contemporâneo” tem seu significado associado ao que pertence ao mesmo tempo, denotando coexistência e/ou se referindo à atualidade. No campo da cultura, da arte e da arquitetura, o termo tem sido utilizado para qualificar genericamente essa produção recente. Portanto, é possível deduzir dois significados decorrentes dessa adjetivação:
- de um lado, o uso do termo implica na definição de uma temporalidade, apropriada para designar a produção arquitetônica atual que, de forma geral, corresponde ao arco temporal que se inicia desde o último quartel do século XX até a atualidade;
- de outro, a palavra “contemporâneo” e suas flexões têm adquirido a função de qualificar, indistintamente, a expressão da cultura arquitetônica corrente, ainda que se verifique a coexistência de uma diversidade e heterogeneidade de tendências, teorias e práticas, em consonância com a complexidade das práticas sociais (econômicas, políticas e cultural-ideológicas) no atual estágio do capitalismo.
O adjetivo contemporâneo se estabelece ainda para diferenciar-se, como período e como linguagem, em relação à “arquitetura moderna” e até mesmo à “arquitetura pós-moderna”, expressão na maioria das vezes empregada de modo pejorativo. De forma análoga ao moderno, frequentemente, o termo “contemporâneo” tem sido utilizado como substantivo, dificultando ainda mais a sua compreensão como categoria de análise e interpretação. Assim, revisões conceituais e históricas sobre a arquitetura pós-moderna e contemporânea se impõem.
A heterogeneidade das manifestações da arquitetura contemporânea corresponde às substantivas transformações verificadas na sociedade em escala global desde o advento da modernidade, exacerbada ultimamente pelas tecnologias digitais e pela diluição das barreiras espaço-tempo (HARVEY, 1992)[1], intensificando o fluxo e a velocidade das informações.
Nesse contexto, a proposta dessa Sessão é estabelecer uma agenda temática para a discussão do fenômeno da arquitetura contemporânea no Brasil, buscando articular abordagens que privilegiam a sua dimensão histórica, social (econômica, política e cultural-ideológica) e espacial, desde a redemocratização no país aos dias atuais.
Partindo do pressuposto que o “contemporâneo” se refere a um período e à expressão da cultura arquitetônica recentes, tenciona-se considerar o tema de modo abrangente, admitindo a sua pluralidade, qual seja, “Arquiteturas Contemporâneas no Brasil”. A ideia é reforçar que se trata de uma produção ampla, marcada pela coexistência contraditória, diversificada e fragmentada no tempo e no espaço da condição histórica e geográfica do país.
Ainda que dispersa, a discussão sobre a arquitetura contemporânea no Brasil tem se manifestado no ensino da arquitetura (disciplinas de graduação e pós graduação), na pesquisa (teses, dissertações, monografias), exposições, periódicos, magazines, eventos e de forma mais rarefeita nos meios de comunicação de massa. Assim, é patente a criação de fóruns de discussão que busquem criar, agregar e sistematizar possíveis chaves de interpretação sobre a temática.
Face à essa amplitude, o escopo dessa sessão delimitou alguns aspectos principais que possuem como ponto de interseção a diversidade no tempo e no espaço da produção da arquitetura contemporânea no Brasil, privilegiando os condicionamentos histórico-sociais, os agentes (Estado, mercado, os arquitetos) e o fluxo de ideias e pessoas.
A sessão agrega pesquisadores do Brasil, provenientes de Universidades das cinco regiões do Brasil (UFAM, UFC, UFRN, UFPE, UNICEUB, USP e UFRGS), que têm se dedicado à pesquisa e produção de conhecimento sobre o campo ampliado que envolve a temática, com perspectivas de criação de uma rede de investigação.
O primeiro trabalho, denominado “A revisão da revisão? O Pós Modernismo como Pré Contemporâneo”, compreende uma interpretação sobre rupturas (crises) e continuidades simultâneas e contraditórias no desenvolvimento da arquitetura brasileira, privilegiando uma perspectiva histórica e de revisão crítica, valorizando uma abordagem mais dialética que dualista no interior e entre a Arquitetura Moderna Brasileira, o Pós-Modernismo e a Arquitetura Contemporânea. Para validar o argumento de continuidade e nexo no percurso da “revisão da revisão” preconiza que, afirmando ou negando, o debate da arquitetura contemporânea é tributário da crítica e discussão sobre a Arquitetura Moderna Brasileira.
O segundo trabalho, “Concursos e Arquitetura Contemporânea no Brasil: Dinâmicas do Jogo”, ratifica a importância dos concursos de arquitetura como instrumento de valorização da profissão e de incremento da qualidade da arquitetura, uma vez que o caráter democrático inerente ao concurso potencializa o confronto de ideias. A referência ao “jogo” é utilizada pra discutir os vários agentes envolvidos no processo e a necessidade de participação e equilíbrio entre os diversos interesses da esfera privada e pública. O Estado possui papel de destaque no desenho das políticas públicas que podem redundar em processos mais democráticos e inclusivos na produção da arquitetura na contemporaneidade. Ademais, ressalta a dimensão política e social da arquitetura na atualidade.
Na sequência, o trabalho “Os Ícones Arquitetônicos no Brasil” aborda como as transformações suscitadas pela intensificação da globalização reverberam na construção de ícones arquitetônicos, que produzem e reproduzem a condição da arquitetura como valor de signo no processo de produtividade e competitividades urbanas no contexto do incremento do turismo via políticas públicas, dos megaeventos e da valorização imobiliária e financeira. Discute diversos caminhos de emergência de ícones arquitetônicos no Brasil, enfatizando os casos de Fortaleza e Natal.
O quarto trabalho, intitulado “Lugar, Cidade e Tradição Moderna na Arquitetura Contemporânea: O caso de Recife e Olinda” reflete inicialmente sobre as assimetrias persistentes na historiografia da arquitetura brasileira, que atualmente tem se voltado ainda mais para a produção da arquitetura no Sudeste do Brasil, alijando as demais regiões do Brasil, como no caso do Nordeste. A discussão apresentada também denuncia como a produção da arquitetura em Recife expressa, a partir da década de 1990, diversas dinâmicas socioespaciais, como a valorização imobiliária, as legislações urbanísticas e a violência urbana, impactando sobremaneira a relação entre o edifício e a cidade, foco principal do artigo. Por fim, apresenta exemplos de uma produção contemporânea em Recife e Olinda que conseguem propor, apesar das dificuldades, certas qualidades em relação ao diálogo entre a arquitetura e a cidade ancoradas numa postura de continuidade de princípios vigentes preconizados pela Arquitetura Moderna.
O quinto trabalho, “Arquitetura Contemporânea na Amazônia”, constitui uma reflexão sobre a produção da arquitetura contemporânea na Amazônia Legal. Para tanto, estabelece marcos históricos de desenvolvimento da arquitetura na região, enfatizando como alguns ciclos de desenvolvimento econômico e o recorrente discurso de política e integração nacional suscitaram o fluxo de “arquitetos peregrinos, nômades e migrantes”, inclusive na atualidade. Há ainda uma discussão emergente sobre a diversidade e a busca de identidade, não muito diferente do que ocorre em outras regiões do Brasil. Assim, o trabalho busca conferir visibilidade à “última fronteira da arquitetura no Brasil” e contribuir para escrita da história da arquitetura no país.
O último trabalho, “O Lugar do Pós-Modernismo entre Duas Modernidades” apresenta uma perspectiva historiográfica sobre o debate das manifestações do pós-modernismo na arquitetura brasileira, resgatando os principais meios da sua penetração e difusão, algumas conexões internacionais, seus agentes e obras e, inclusive, as primeiras interpretações críticas sobre o movimento. O título expressa e reforça o argumento de que há possibilidades de revisão e reescrita do pós-modernismo em uma abordagem histórica de duração ampliada e menos preconceituosa no contexto da modernidade e da contemporaneidade. Por fim, o texto levanta de forma sintética diversos questionamentos e possibilidades de compreensão no tempo e no espaço sobre, não somente o pós-modernismo, mas a arquitetura brasileira como um todo em vários rincões do Brasil.
[1] HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna: Uma pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. São Paulo: Edições Loyola, 1992.