Última alteração: 2020-08-18
Resumo
Subúrbios e periferias como se apresentam atualmente são fenômenos do século 21. Porém, têm sido estudados fundamentando-se na teoria urbana prevalecente no século anterior (KEIL, 2018). Impõe-se reformular o arcabouço teórico para entender esse fato urbano tão contundente nas metrópoles brasileiras. Precisam ser analisados com um novo olhar de “ser urbano”, diferente daquele que privilegia posição geográfica e carências, com futuro espelhado na visão das áreas centrais. Periferia não é só limite externo com deficiências e dispersão urbana. Subúrbios não se restringem ao que carece de centralidade, situando-se além da área central e aquém da periferia. Ambos são bem mais do que um "limiar”, do que divisas urbanas.
Se considerarmos o exercício da cidadania, subúrbios são uma continuidade do centro e um prenúncio de um continuar para a periferia. Em sendo continuidade, não conformam espaço de transição, mas uma porção do todo, da cidade, da metrópole. Portanto, a antiga dicotomia centro-periferia perde sentido. Nesse todo, subúrbios e periferias compõem a maior porção do território urbanizado das regiões metropolitanas, a mais populosa, a socialmente e ambientalmente mais complexa. Além de estarem em processo permanente de construção, revelando-se como potência para se pensar o futuro metropolitano. Como reconhece o urbanista Albert Pope (2015), no movimento contemporâneo de configurar subúrbios e periferias, o que ocorre não é uma “sub” urbanização, ideia prevalecente, mas sim uma “outra” urbanização.
Pope lembra-nos ainda que “a cidade contemporânea, a cidade que está, nesse momento, em construção, é invisível” (2015, p.2, tradução nossa). Assim, comumente desconsideramos a dinâmica prevalecente nos subúrbios e nas periferias. Não percebemos valores não identificados com aqueles relativos à cidade tradicional, presentes nas áreas centrais, com os quais acostumamos a julgar como sendo os desejáveis. O fato é que subúrbios e periferias possuem singularidades, constituindo muitos e distintos “territórios da diferença” (ESCOBAR, 2007), que requerem olhares destituídos de preconcepção. É necessário investigar essa porção metropolitana com uma abordagem desembaraçada das amarras conceituais precedentes que serviram outrora para contextualizá-la, e tentar colocar em evidência a complexa experiência, histórica e espacialmente enraizada, que é negociada e pactuada em cada lugar. Nesta perspectiva, como aponta Arturo Escobar, teremos um enfoque que permitirá obter análises e conclusões que levarão a uma aproximação maior com aspectos territoriais e culturais a serem defendidos (2007).
Hoje a Região Metropolitana do Rio de Janeiro é policentrada, simultaneamente dispersa e compacta. As singularidades dos subúrbios e periferias se expõem numa gama de expressões e manifestações, bem como nas relações interpessoais da população. É fruto da criatividade e iniciativa das pessoas que se percebem pertencentes a esse universo, dos seus múltiplos coletivos, que superam a tentativa de manipulação e controle exercido pelo sistema hegemônico nas suas distintas esferas. Para retratá-las, há trabalhos que vem sendo realizados apoiados no conhecimento das situações experimentadas, produzidas frequentemente por participantes dos próprios coletivos, os quais frequentemente se constituem em sofisticados marcos que não podem ser ignorados.
A pesquisa sobre (e nos) territórios suburbanos e periféricos da Metrópole do Rio de Janeiro, a partir do entendimento da estreita relação de subúrbios e periferias com processos de caráter dinâmico e itinerante, vem provocando ressignificações empíricas que têm importantes rebatimentos socioterritoriais. No movimento de autoconhecimento, seus autores buscam superar a invisibilidade e a segregação institucional do espaço suburbano e periférico. Procuram igualmente se afirmar enquanto grupo e indivíduo, na perspectiva “do que foram e do que são no presente: sujeitos históricos de culturas, economias e ecologias particulares; produtores particulares de conhecimento; indivíduos e coletividades comprometidos no jogo de viver em paisagens e com os outros de maneira específica” (ESCOBAR, 2007).
Entre o conceito carioca de “subúrbio” formulado nos anos 1960 (SOARES, 1966) e o entendimento expresso através da concepção “rapto ideológico do subúrbio” (FERNANDES, 1980), dos anos 1980, impõe-se ampliar definições, modos de olhar e maneiras de explicar esse continuum urbano, que não corresponde somente a um território periurbano. Conhecer particularidades dos processos e suas consequências importa tanto para o seu entendimento como para a ação.
Para trazer reflexões sobre a diluição das fronteiras metropolitanas no processo de crescimento das últimas décadas, “Subúrbio e periferia: onde estão os limites e as fronteiras?”, do arquiteto e urbanista Antônio José Pedral, avalia o conceito de espaço híbrido. “As cidades dentro da cidade: o patrimônio urbano do Subúrbio Carioca”, do doutorando Luiz Paulo Leal e da Profa. Andrea Sampaio do PPGAU/UFF contribui com particularidades da formação dos subúrbios e periferias cariocas e constituição do seu patrimônio.
“Moradia, trabalho e convívio comunitário nos subúrbios cariocas”, da Profa. Ana Slade, da FAU/UFRJ e de Rafael Mattoso, doutorando do PROURB/UFRJ, aporta para a discussão sobre particularidades dos subúrbios e periferia, a exigência da constante historicização na compreensão da espacialidade e empregabilidade, contextualizando etapas de transformação das áreas consideradas cercanias ou arrabaldes da cidade.
“Políticas públicas e Guerra Fria na construção do subúrbio carioca desde uma perspectiva transnacional: Carlos Lacerda e Aliança para o Progresso”, do Prof. Leandro Benmergui, da Purchase College-State University of New York, e “Militância e Imprensa nos Subúrbios Cariocas, 1900-1920”, do Prof. Leandro Climaco Mendonça, incrementam o debate a partir de novos referenciais teóricos que abrangem o campo da História Social. “A incorporação do território suburbano no pensamento urbanístico carioca”, da Profa. Andrea Borde e do seu doutorando do PROURB/UFRJ, complementa com uma reflexão crítica do pensamento urbanístico sobre o território suburbano.
Pretende-se assim, contribuir para uma análise complexa das transformações metropolitanas contemporâneas, desde uma perspectiva urbanística, arquitetônica, histórica e antropológica, que ilumine os múltiplos significados desses territórios, que resultam de lutas políticas de curto e largo alcance sempre travadas em seus cotidianos.
REFERÊNCIAS
ESCOBAR, Arturo. Territorios de diferencia: Lugar, movimientos, vida, redes. Bogotá: Envión Editores, 2010.
FERNANDES, Nelson Nóbrega. O rapto ideológico da categoria subúrbio: Rio de Janeiro 1858/1945. Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.
KEIL, Roger. Suburban Planet. Cambridge: Polity Press, 2018.
POPE, Albert. Ladders. New York: Princeton Architectural Press, 1996.
SOARES, Maria Therezinha de Segadas. “Fisionomia e estrutura do Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Ano 27, N. 3, pp. 329-387, 1966.