Última alteração: 2020-08-19
Resumo
O termo “Urbanismo Social” como intervenção urbana surgiu em 2003 no programa de governo de Sergio Fajardo para concorrer à prefeitura de Medellín, Colômbia. Os projetos arquitetônicos e urbanísticos voltados aos assentamentos precários impactaram tanto o espaço urbano como a sociedade de Medellín e tornaram-se mundialmente conhecidos, mesmo sob tensões, disputas e contradições territoriais (MONTOYA, 2014). Alejandro Echeverri, chamado por Fajardo para dirigir a Empresa de Desenvolvimento Urbano (2004- 2007), afirmou que o principal resultado do “Urbanismo Social” foi ampliar o mapa mental da cidade em seus cidadãos (ECHEVERRI, 2017). O termo reconhece as periferias como parte da cidade, contudo, é contraditório ao se apoiar no marketing urbano e fomentar a atração turística em detrimento da ação social transformadora (BRAND, 2010; VELASQUEZ, 2013).
Na década de 1990 as favelas e loteamentos irregulares brasileiros também eram ausentes na maioria dos mapas oficiais. Foi um “avanço” ou “deslocamento da correlação de forças” o reconhecimento desta situação urbanística e social extremamente desigual, demandando. respostas como políticas públicas inclusivas. O reconhecimento desta situação acarreta diferentes posturas e interpretações sobre os processos que originam as desigualdades. O “urbanismo social” passa a ser objeto de disputas de diferentes visões de mundo ao ser apropriado por interesses diversos: econômico, social, político, cultural (BOURDIEU, 1996) e de direitos (MONTOYA, 2014). A fação governamental em Medellín deixou marcas inequívocas no espaço urbano, transformando de fato sua qualidade urbanística, sem ampliar o acesso à cidade (nos termos de Lefebvre), já que seus moradores nem sempre tornam-se cidadãos (SANTOS, 1998) mais engajados politicamente ou com maior autonomia (SOUZA, 2001).
Em todas as cidades latino-americanas, o processo que torna o solo urbano e integrado ao mercado fundiário é excludente. Um grande contingente populacional tem acesso às porções de terra menos aptas à ocupação urbana. É neste território complexo que se desvela a construção da “cidade popular”: autoconstruída, do espaço individual até as precárias infraestruturas primeiramente instaladas. O diálogo entre o poder público e os moradores nem sempre é pacífico, mas antes conflituoso, variando entre a tolerância e oportunismo de funcionários públicos, até ações mais violentas de remoção e expulsão. Esta zona cinzenta, de territórios quase urbanos (de fato, mas não de direito) é fértil para o desenvolvimento de grupos e organizações de base reivindicatórios, que ampliam o “capital político” de seus participantes (HOLSTON, 2009). Então, o que nasce como uma disputa pelo direito ao lugar ou a necessidades vitais como moradia e saneamento, torna-se um caminho emancipatório e de transformação individual (FURIGO et al, 2020). Assim como a Reforma Urbana no Brasil, tais reivindicações são base para a formulação de políticas públicas de urbanização e legalização destes territórios (CALDEIRA, 2016; ANTONUCCI et al., 2017).
A partir do tema da “limiaridade”, a presente sessão discutirá o paradoxo entre as ações de base e as governamentais; as contradições entre o processo de construção e defesa da cidade popular e os projetos urbanos para áreas precárias. Enquanto as primeiras empoderam e emancipam seus participantes, as ações governamentais, mesmo impulsionadas por lutas urbanas prévias, acabam não raro dificultando a permanência de muitos pobres nestas localizações, que se valorizam. Os deslocados constroem novas periferias, num contínuo que mantém na pobreza parcelas consideráveis da população urbana. Os alcances, tensões, contradições e limites das políticas públicas habitacionais tradicionais, no que tange à moradia digna, o espaço público e o acesso à cidadania, são temas desta sessão. E as ações, lutas e propostas de inclusão, resistência, defesa do território e dos direitos, especialmente aquelas protagonizadas pela população e suas organizações, muitas vezes criativas e radicais, mas também atacadas e criminalizadas, serão objeto de debate.
A sessão é fruto de uma parceria entre os grupos de pesquisa: “Políticas Territoriais e a Água no Meio Urbano”, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Brasil, e “Medio Ambiente y Sociedad”, da Universidade de Antioquia – Colômbia. Inclui a participação de docentes e pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do Centro Universitário INTA, das Faculdades Integradas Maria Imaculada e da prefeitura de Medellín – Colômbia.