Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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A EFETIVIDADE DA APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS DE ACESSO À TERRA URBANIZADA NO CONTEXTO BRASILEIRO: ANÁLISE DE EXPERIÊNCIAS
Eduardo Alberto Cusce Nobre, Simone Ferreira Gatti

Última alteração: 2020-08-18

Resumo


Numa sociedade com uma distribuição de renda extremamente desigual como a Brasileira, onde os 10% mais ricos concentram 45% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres ficam com apenas 18% (IBGE, 2011), a apropriação do espaço urbano ocorreu de maneira bastante desigual, resultando em um espaço urbano bastante segregado e fragmentado, com enormes diferenciações socioespaciais, reflexos dessa concentração.

De modo geral, no processo de urbanização das metrópoles nacionais, enquanto que as classes sociais de renda mais elevada se apropriaram das áreas mais consolidadas dessas cidades, dotadas de toda infraestrutura e concentrando as principais atividades econômicas, os estratos de menor renda foram relegados a ocupar as áreas mais desprovidas de infraestrutura, em assentamentos precários, por vezes periféricos ou localizados em áreas de fragilidade ambiental, como encostas de alta declividade, várzeas dos rios ou áreas de preservação ambiental (VILLAÇA, 1998).

Por trás dessa lógica excludente e segregadora de ocupação do território está a grande valorização imobiliária das áreas melhor estruturadas, que inviabiliza a presença dos estratos mais pobres, que não apresentam renda suficiente para se localizar nessas áreas de modo regular e formal (MARICATO, 2008). Por outro lado, políticas públicas elitistas de remoção dessas comunidades das áreas mais valorizadas vêm agravando ainda mais o problema.

Em função dessas questões, vários órgãos públicos, profissionais e pesquisadores vêm de longa data discutindo e propondo vários instrumentos urbanísticos que visam garantir à população mais excluída de menor renda o direito à cidade através da democratização do acesso à terra urbanizada. Alguns desses instrumentos acabaram sendo regulamentados pelo Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), a Lei Federal que regulamentou o Capítulo da Política Urbana da Constituição Federal de 1988.

Contudo, muito se tem discutido sobre a eficácia da aplicação desses instrumentos. O objetivo desta Sessão Livre é justamente discutir essa questão a partir do estudo da experiência de algumas cidades brasileiras, procurando ver se elas atingiram o objetivo fundamental de garantia do acesso à terra urbanizada para essa população excluída.

Os dois primeiros trabalhos são sobre as ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social. Surgidas em administrações municipais progressistas na década de 1980, esse instrumento foi pensado originalmente com o intuito de possibilitar a regularização urbanística e fundiária de assentamentos precários, principalmente daqueles localizados em áreas consolidadas das cidades, permitindo parâmetros urbanísticos diferenciados (FERREIRA e MOTISUKE, 2009). A partir da década seguinte, esse instrumento começou a ser utilizado para a demarcação de áreas vazias, dotadas de infraestrutura, a fim de reservar um estoque de terras bem servidas para a implantação de HIS – Habitação de Interesse Social (BRASIL, 2009).

O primeiro trabalho é sobre a aplicação das ZEIS na cidade do Recife. Tendo sido uma das primeiras cidades a propor o instrumento no sentido de garantir a permanência da população mais pobre nas áreas mais valorizadas da cidade, o seu estudo praticamente 40 anos após o início de sua implantação é de extremo interesse no sentido de avaliar até que ponto ele foi efetivo na promoção da regularização urbanístico-fundiária, que seria, na visão dos autores, a única forma de garantir essa permanência.

O segundo trabalho é sobre a aplicação das ZEIS 3 na cidade de São Paulo. De aplicação muito mais recente, as ZEIS foram implementadas pela primeira vez nesta cidade somente em 2002 e reformuladas em 2014. Estas ZEIS 3 são características do segundo tipo, ou seja, de demarcação de áreas vazias ou subutilizadas para a promoção de HIS. A partir de dados dos empreendimentos do mercado imobiliário e do poder público, os autores procuram compreender até que ponto o instrumento cumpriu com o seu objetivo.

O trabalho seguinte analisa outra experiência paulistana, a da implantação da Cota de Solidariedade no Plano Diretor de 2014. Baseada nas experiências estrangeiras de inclusionary zoning, esse tipo de instrumento prevê que grandes empreendimentos imobiliários deveriam garantir uma determinada área para a produção de HIS, garantindo assim um determinado mix social. A partir de dados do mercado imobiliário e de aprovação de empreendimentos pela prefeitura municipal, os autores avaliam se o instrumento tem viabilizado a promoção desse mix.

O último trabalho analisa a experiência de Curitiba na aplicação da Cota de Potencial Construtivo. Apesar de não ser um instrumento diretamente relacionado à promoção de acesso à terra urbanizada, estando mais relacionado aos instrumentos de financiamento urbano e de recuperação da valorização fundiária, conforme definição da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2002), ele surgiu em Curitiba com o objetivo de financiar a promoção de objetivos urbanísticos e sociais, entre os quais a promoção de HIS. A partir da análise da sua aplicação em Curtiba, a autora procura compreender os efeitos do instrumento na recuperação dessa valorização para promover a justa distribuição dos benefícios gerados pelo processo de urbanização.

A análise da aplicação desses diversos instrumentos urbanísticos em diferentes contextos urbanos traz um panorama importante sobre seus limites e possibilidades no contexto brasileiro. Logicamente que apenas a sua proposicão não tem o poder de transformar a dinâmica do processo de produção da cidade, que depende de uma determinada conjunção de forças sociais que pressionem pelas transformações necessárias. Contudo, os estudos desses casos podem auxiliar as administrações municipais, profissionais e pesquisadores a melhor desenhá-los no futuro, quando as condições políticas forem favoráveis à transformação social.

Parte dos resultados desta Sessão é fruto de pesquisas desenvolvidas para Projeto que contou com financiamento da FAPESP (Processo n º 2017/15.256-1) e do CNPq (Processo nº 423.981/2018-8)

 


Palavras-chave


Métodos e Técnicas do Urbanismo, Instrumentos Urbanísticos, Política Urbana

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