Última alteração: 2020-08-19
Resumo
A atual conjuntura sociopolítica que atravessamos nos convoca a explorar modos outros de entender a cidade, operando a partir das forças e intensidades que constituem o território como disputa discursiva. Nos parece fundamental, neste momento, abrir espaço para reflexões que atualizem a disciplina urbanística, no sentido de abandonar a ideia de um planejamento urbano sintetizado a partir de uma visão de consenso que é, por natureza, excludente. A exclusão das existências que escapam à lógica do sistema capitalista que faz do território sua principal moeda, nos move a pensar que não é possível constituir cidade sem assumir seus conflitos sempre à margem dos processos de projeto e planejamento urbano. Para tensionar o modo hegemônico de atuar sobre o território é necessário atentar aos aspectos narrativos que configuram a paisagem urbana contemporânea. Entendemos a narrativa como perspectiva epistemológica também à margem nos estudos urbanos, necessitando ser aprofundada uma vez que supõe experiência compartilhada e funciona como campo de forças. A narrativa nos desloca para a imprevisibilidade, para os acordos e desacordos das práticas cotidianas, para a instabilidade e complexidade das relações entre sujeito e experiência que configuram a cidade. Ao mesmo tempo, visibilizar as histórias cotidianas é acolher as dissonâncias, é ampliar o direito à voz e à escuta, reposicionando os sujeitos na arena discursiva. A partir desse contexto, esta Sessão Livre centra a discussão em torno das seguintes questões:
Como os atos de reconhecimento de memórias e promessas são mediados em uma narrativa configurada pelo projeto construído? Como reconhecer territórios, paisagens em uma nova espacialidade onde as relações sociais estão sendo estabelecidas? Como ação e linguagem interagem neste processo de configuração que é tectônica e social? De que modo se pode compreender as práxis espaciais em territórios periféricos como narrativas estético-políticas que se configuram em experiência coletiva nos lugares? Como construir repertórios de projeto mais inclusivos, capazes de compreender e valorizar a produção de cidade em áreas urbanas periféricas que continuam ignoradas ou rejeitadas como referência pela crítica e pelo ensino praticado em nossas escolas? Como essas discursividades podem deslocar o sentido de público e comum da paisagem urbana? Como pensar o projeto como representação dos conflitos e expressão das diferentes narrativas?
A problematização teórica se dá em torno da narrativa enquanto episteme da experiência, capaz de acessar a complexidade dos processos de subjetivação impostos pelo sistema capitalista, e daqueles que reivindicam existências singulares negadas por este sistema. Interessa-nos, portanto, nesta Sessão, as narrativas que permitam reconhecer estes processos, tendo em conta os cenários de remoções forçadas de comunidades, gentrificação de áreas industriais obsoletas, estetização e elitização das paisagens históricas, mercantilização da terra a favor dos interesses do capital, entre outros. Deslocar o regime de autorização discursiva e visibilizar as narrativas constituidoras destes apagamentos é apostar em uma racionalidade alternativa ao sistema capitalista e neoliberal baseado no cercamento dos bens comuns, e nos apropriarmos do comum enquanto composição complexa das diferenças. Visibilizar as subjetividades que fundam o olhar desde a margem é um percurso necessário para entender a dimensão pública e comum da paisagem contemporânea e/ou dos processos de projeto que a constituem, incorporando as
discursividades que operem outros modos de pensar e intervir na cidade.
Em “Brasília metropolitana: narrativas, vazio e projeto”, discutem a capital planejada de Brasília para além do projeto e da concepção arquitetônica, reconhecendo sua construção e apropriação pelos diversos agentes como narrativas que extrapolam o debate dual e reducionista sobre o movimento moderno, a cidade e o vazio.
No segundo texto, argumenta-se sobre como é possível compreender, nos territórios periféricos, quais práxis espaciais fazem funcionar a relação estética-política, quando se trata de configurar uma experiência coletiva nos lugares que é processada nos discursos. Em outras palavras, a autora discute o que podem as expressões estéticas produzidas nas (e pelas) periferias, quais solidariedades e conflitos desempenhados nos espaços urbanos são aí agenciados e, afinal, que atores sociais os enunciam.
No terceiro texto, recorre-se a referências teóricas do debate historiográfico do final do século XX que mobilizou os conceitos de centro e periferia para reivindicar o desenvolvimento de pesquisas orientadas pela ambição de contribuir com a reconstrução dos nossos repertórios de referências projetuais e categorias conceituais a fim de contribuir com a superação da nossa condição periférica e desigual.
No quarto texto, pensa-se criticamente a cidade contemporânea a partir do projeto como narrativa, atravessado por um processo de subjetivação modelado pelo sistema capitalista e neoliberal, ajustando as indagações e especulações filosóficas e operativas sobre o urbano às dimensões ética e política e deslocando o projeto de uma suposta neutralidade técnica com a qual vem tradicionalmente sendo construído.