Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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NATUREZA SUBURBANA: PAISAGENS E INTERIORES MODERNOS
Claudia Costa Cabral

Última alteração: 2020-08-19

Resumo


Um corpo crescente de reflexão acadêmica sobre o subúrbio tem estado maiormente concentrado em destacar os efeitos adversos da expansão suburbana, como a forma característica do crescimento das cidades durante o século XX, em escala planetária. Essa linha de raciocínio, que não poucas vezes se entrelaça com as correntes de censura à própria ideia de cidade da arquitetura moderna, que crescem a partir da segunda metade do século, tem fundamentado a rejeição ao subúrbio na homogeneidade social e no declínio do espaço público.

Em outras palavras, o subúrbio tem sido criticado, em grande parte, por aquilo em que se diferencia do centro urbano, com base na premissa de que esse último ainda poderia conservar, incólume, o seu significado originário, de lócus de uma esfera pública intacta em suas propriedades constitutivas.

A origem latina do termo – suburbium – poderia, da mesma forma, indicar “menos” que a cidade, na tradução literal do prefixo sub como abaixo ou sob, e de urbium como cidade, o que provavelmente incluísse o sentido de arrabalde.

Contemporaneamente, a geografia define o subúrbio como um "conceito polissêmico." Como explica Hervé Vieillard-Baron, historicamente, o subúrbio compreendeu pelo menos três sentidos: um sentido jurídico, que na época medieval se relacionava aos direitos e deveres de uma parte da população; um sentido propriamente geográfico, de periferia urbana dependente do centro; e, ainda, um sentido simbólico, de marginalidade e exclusão (VIEILLARD-BARON, 2014).

Em todas essas acepções, literal e figurativamente, o subúrbio é um lugar à distância, cuja existência depende de um centro que o antecede. Embora a crítica do subúrbio seja propensa a defini-lo como a “não cidade” – e isso vale tanto para o subúrbio de baixa renda, carente de infraestrutura, quanto para o subúrbio de alta renda –, se o subúrbio não existe sem o centro, a metrópole também não é metrópole sem os seus cinturões suburbanos.

No entanto, o mal-afamado subúrbio foi um campo frutífero de experimentos para a arquitetura moderna. A “moderna Siedlung”, tal como Hitchcock e Johnson a descreveram em 1932, tinha precisamente por objetivo “proporcionar um grande número de vivendas fora da cidade”, que não estivessem demasiado longe do lugar de trabalho de seus habitantes, aqueles “super-homens proletários do futuro” que cumpriam seus turnos diários em indústrias também periféricas (HITCHCOCK; JOHNSON, 1966, p. 91; p. 93). Essas terras baratas, distantes e diferentes dos centros históricos, foram o território privilegiado para a elaboração das ideias modernas sobre o programa da habitação em massa, e onde, a partir da forma da arquitetura, a forma da cidade podia ser também revista num tecido novo,  capaz de equilibrar as relações entre espaços abertos e espaços construídos, e devolver ao habitar os vínculos imediatos com a natureza.

Além disso, como Hitchcock e Johnson muito bem lembraram, também era especialidade dos arquitetos “transformar vagos desejos em realidades” (HITCHCOCK; JOHNSON, 1966, p. 92). Para a arquitetura moderna, o subúrbio foi a contrapartida urbana para uma arquitetura transparente, permeável, onde os limites entre exterior e interior nunca são rígidos, onde uma natureza benigna cria e resguarda, para cada indivíduo, seu pequeno éden particular.

Assim, para a arquitetura, tampouco o subúrbio assumiu significados unívocos. De fato, o subúrbio tem constituído um lugar ambivalente, onde as figuras da máquina e da natureza estão simultaneamente presentes, tanto nas construções discursivas, quanto nos resultados espaciais e materiais.

Dando continuidade a iniciativas anteriores, que reuniram um grupo de pesquisadores latino-americanos, a sessão tem por tema geral a relação entre a arquitetura moderna e o subúrbio na cultura latina.[1]

O objetivo da sessão não é dar conta da problemática do subúrbio como totalidade, ou produzir uma discussão panorâmica do tema, que comporte todas as suas múltiplas dimensões. Ao contrário, em seu método, a sessão pretende confrontar o tema do subúrbio através de um número finito de casos, como objetos de estudo que poderão ser observados desde diferentes molduras e pontos de vista.

Os trabalhos estão organizados em uma sequência mais ou menos temporal, que mistura temas brasileiros, sul-americanos e um europeu.  O primeiro trata de uma casa argentina suburbana, a Casa Calp (1937-1940) de Wladimiro Acosta, que faz parte do que ele próprio batizou como Sistema Helios, uma pretensiosa revolução no projeto de casas em função das suas relações com o sol.

Seguem-se dois episódios brasileiros: o Parque Barreiro (1936-47) e a Pampulha (1941-1945) ambientam uma reflexão acerca das grandes instalações de lazer fora da cidades, que incluíam habitação no programa, com desenho inspirado nos bairros-jardim paulistanos; dividindo a mesma inspiração, no bairro do Morumbi em São Paulo, duas casas de Lina Bo Bardi –Casa de Vidro (1949-51) e Casa Cirell (1957-58) são o pretexto para falar da casa burguesa moderna de subúrbio e de sua ligação com a natureza.

Ampliando outra vez para a América Latina, o quarto resumo analisa o subúrbio como paradigma do desenvolvimento urbano no Chile, entre 1950 e 1970, através da observação de alguns exemplos específicos.  Da mesma época são os poblados dirigidos (1955 a 1967) abordados no trabalho seguinte, que eram projetos estatais de habitação popular construídos nos arredores de Madrid para absorver a população que migrava para a capital.

O último resumo da sessão volta ao Brasil, mais especificamente ao Rio de Janeiro, à Barra da Tijuca, onde o projeto da nova zona sul (1968-1972), de Oscar Niemeyer, para a região imaginou um subúrbio em altura que nunca chegou a se realizar.


[1] Identificação omitida em razão da avaliação às cegas.


Palavras-chave


suburbio; arquitetura moderna; natureza

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