Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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TURISMO, PRODUÇÃO DO ESPAÇO E CONFLITOS NO LITORAL DO BRASIL: ENTRE O CONCEBIDO, O PERCEBIDO E O VIVIDO
Luciano Muniz Abreu, Cristina Pereira Araujo

Última alteração: 2020-08-18

Resumo


Ao longo dos últimos cinquenta anos o turismo tem se apresentado como um setor econômico resiliente às várias crises inerentes ao processo de acumulação capitalista. Nesse período, a atividade tornou-se um grande motor que transformou cidades e territórios, prometendo uma oferta de desenvolvimento para vários países, mas ao mesmo tempo trouxe impactos e conflitos significativos para diversos destinos, tanto do ponto de vista socioespacial, como econômico e ambiental.

O crescimento da participação do turismo no PIB brasileiro é verificado desde a década de 1980, possibilitado pela ampliação da rede hoteleira. A partir de 1994, o segmento passou a apresentar maiores indicadores de crescimento. Esse aumento é atribuído ao cenário favorável na economia após o Plano Real, com aumento da renda da população, queda da inflação e facilidade de crédito aos consumidores. Some-se a implementação de diversas políticas públicas e programas setoriais direcionadas ao incentivo da atividade turística, dentre os quais, aquele de maior envergadura implementado pelo poder público no país: o Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste do Brasil (PRODETUR/NE) que, posteriormente, ganhou amplitude nacional.

De uma forma geral, as ações governamentais englobam o planejamento e a formatação de políticas específicas para o turismo (O CONCEBIDO), com criação de linhas especiais de crédito (para o setor público, privado e para os consumidores), incentivos fiscais e provimento de infraestrutura, envolvendo montante de recursos públicos e extensão territorial expressivos.

A criação do Ministério do Turismo, em 2003, a elaboração dos Planos Nacionais de Turismo e o Decreto Federal 7.381/2010, que passa a regulamentar o cadastro de meios de hospedagem, são algumas das iniciativas governamentais que demonstram a importância estratégica da atividade turística no cenário nacional.

A costa brasileira, com seus mais de 7.000 km de extensão,  apresenta uma densidade média cinco vezes maior que a densidade nacional. O atrelamento da estrutura industrial às áreas litorâneas com os setores químico e petroquímico, atividade portuária e industrial, o incremento da atividade turística e o já acentuado processo de urbanização destas áreas tornam-nas zonas de grande fragilidade no tocante aos impactos ambientais, às transformações paisagísticas e ao ordenamento territorial.

O observado com as políticas públicas de turismo, tem sido grandes intervenções urbanas nas frentes d’água nas capitais somadas à ocupação intensa da costa dos núcleos urbanos menores, onde as segundas residências têm sido substituídas e/ou associadas a resorts, configurando-se em empreendimentos turísticos imobiliários de tamanha monta que chegam, em alguns casos, a serem promovidos pelo mercado imobiliário como bairros ou cidades planejadas.

À medida que essa urbanização turística avança e se apropria dos espaços naturais e construídos mais valorizados, tende a gerar não apenas impactos ambientais como também conflitos com a população autóctone (O VIVIDO), na maior parte das vezes excluída do processo e cuja ocupação fica restrita aos resíduos da cidade formal.

Verifica-se assim que a produção do espaço no litoral do Brasil, em função das novas relações sociais de produção, distribuição e consumo suscitadas pela atividade turística, tem criado e exacerbado uma diversidade de práticas, conflitos e configurações socioespaciais.

Deste modo, a atividade turística contribui para a criação de novas relações e arranjos espaciais interferindo na dinâmica espacial dos lugares (O PERCEBIDO). As áreas consideradas privilegiadas são modificadas e produzidas para que sejam atraentes para o consumo turístico, ainda que esta valorização (exacerbação do valor de troca sobre o valor de uso) signifique a exclusão de sujeitos sociais e prejuízos ambientais (OS CONFLITOS).

Atreladas às novas dinâmicas e sob o ponto de vista das múltiplas dimensões do espaço, observam-se diferenças notáveis entre o espaço concebido (representações – dominantes - do espaço), percebido (práticas espaciais materiais) e vivido (espaços de representação). Percebe-se uma intensa valorização imobiliária expressa pelos investimentos do capital (público e privado) em função do turismo, sem considerar as preexistências locais. O espaço percebido e vivido pelo morador muda radicalmente após a investida do capital: assume-se o valor de troca das localizações à beira-mar em detrimento do valor de uso e perde-se a relação de pertencimento com o lugar. De modo que, os discursos dominantes justificam e atualizam as relações de produção e a ordem social existente.

Neste sentido, propomos aqui uma análise das práticas espaciais e da dinâmica de urbanização vinculadas ao turismo no litoral brasileiro, numa perspectiva multidimensional e multiescalar, marcadas pela intensificação da luta pela apropriação do espaço, e baseadas nos estudos de Lefebvre e outros autores que tratam da produção capitalista do espaço sob o enfoque da tríade lefebvriana das práticas espaciais do PERCEBIDO, do CONCEBIDO e do VIVIDO. Envolvendo, pois uma reflexão sobre o limiar entre as práticas em Arquitetura e Urbanismo (lato sensu), implicadas na produção do espaço nas circunstâncias contemporâneas, e os conflitos delas decorrentes.

Trata-se de recorte de uma pesquisa em rede, mais abrangente, sobre turismo e produção do espaço no litoral do Brasil, desenvolvida por Grupo de Pesquisa que envolve, até o momento, nove instituições de ensino e pesquisa federais: IFPE, IFRN, UFAL, UFC, UFPE, UFRJ, UFRN, UFRPE e UFRRJ.

A temática central da Sessão se desdobra em enfoques específicos, a saber. O primeiro trabalho  traz uma análise sobre a urbanização turística no Nordeste sob o enfoque lefebvriano das respresentações do espaço (o CONCEBIDO) e os conflitos decorrentes. O segundo trabalho, centra-se nas relações e conflitos entre o Percebido e o Concebido tendo como casos exemplares empreendimentos turísticos imobiliários localizados nos estados da Bahia, Ceará e Pernambuco. O terceiro trabalho discute a relação entre a provisão da infraestrutura e a urbanização turística no litoral cearense, identificando os impactos e conflitos decorrentes e analisando o descompasso entre o Percebido e o Vivido. Já o quarto trabalho se debruça sobre as novas formas de fazer turismo no litoral pernambucano, destacando os novos meios de hospedagem evidenciados a partir da plataforma colaborativa Airbnb e suas repercussões espaciais (conflitos entre o Percebido e o Vivido). Por fim, o quinto trabalho propõe a discussão acerca dos conflitos entre o espaço Concebido, Percebido e Vivido através da análise de experiências de Turismo de Base Comunitária na capital fluminense e no muncípio de Beberibe, no litoral cearense.

Palavras-chave


Turismo; Produção do Espaço Litorâneo; Conflitos Socioespaciais

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