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Dificuldade em dizer a Verdade: a pós-verdade como condição de época
Tiago Segabinazzi

Última alteração: 2022-06-22

Resumo


O objetivo deste texto é esboçar uma genealogia da condição epistemológica que sustentaria a emergência da definição do dicionário Oxford para pós-verdade – “fatos objetivos são menos influenciadores na formação da opinião pública do que apelos à emoção ou à crença pessoal”. Como chegamos a este ponto?

Podemos perceber este fenômeno associado ao trabalho automatizado de algoritmos que entregam conteúdo personalizado em mídias sociais e à apropriação sociotécnica destes dispositivos que, ao reduzir o contato com informações que contradizem nosso sistema de crenças, incentiva a formação de bolhas discursivas (PARISER, 2011; SUNSTEIN, 2001) – ali, conteúdos notadamente falsos podem circular sem resistência crítica. Empreendi tal abordagem em minha dissertação, (SEGABINAZZI, 2021), porém, assim como em trabalho anterior (SEGABINAZZI; MAZZARINO, 2017), pretendo agora chamar atenção para a forma epifenomênica da tecnologia, que viria a reboque do movimento sociocultural e epistemológico de nossa época. Proponho a ideia de que pós-verdade é também a condição de não poder, pelo próprio estágio do conhecimento que reconhece a si mesmo como limitado, apresentar uma verdade acachapante – que poderia se assentar em fatos inquestionáveis.

A Verdade seria única, universal e atemporal – daí a crítica de Nietzsche (2001) de que a ciência, ao buscá-la, teria herdado o caráter religioso que perseguia a verdade a ser revelada. A ciência, para a modernidade, é o meio por excelência para alcançar a verdade e a física poderia dar a entender que é possível descobrir as leis imutáveis que regem o universo. Entretanto, mesmo ali há disputas que fazem Feyerabend (1977) pensar que a ciência moderna domina por meio da força e não de argumentos; para ele a ciência é ideológica ao se achar detentora da razão, que tudo o que explica é mais sensato do que outros discursos. Conforme Lyotard (2004), a ciência deixou de ser inquestionável, pois é apenas mais um tipo de discurso. Além disso, a revolução de sistemas científicos expõe o caráter provisório dos saberes de cada época. Cada sociedade, entende Foucault (2013), acolhe determinados discursos e os considera como verdadeiros, além de dispor de mecanismos para distinguir o que é falso.

Além dos saberes se mostrarem provisórios – logo, não eternos –, há disputa para que se escolha qual é o verdadeiro. Na era moderna houve aceitação dos relatos que tinham valor de verdade e por objetivo a ética e a paz universal, pressupondo racionalidade entre os sujeitos (LYOTARD, 2004). Porém, visões de mundo variadas têm colocado até mesmo o saber científico em cheque. Para Maturana (2001), uma explicação deve ser aceita, se não, não é considerada uma explicação. A condição de aceitação do que é verdadeiro passa pelos pressupostos morais de quem recebe o discurso. Ainda, para Baudrillard (1997), a ciência pode ser tão precisa que por conceber tal possível precisão acaba por não conseguir atingi-la: será sempre tentativa. Por este reconhecimento, não pode chamar a si mesma de verdadeira, ao menos não da forma clássica. É a impossibilidade de uma verdade que se diga absoluta.

O que se expõe aqui é um breve esboço explicativo para a condição de pós-verdade de nossa época, um estágio em que é, pelos motivos apresentados, difícil poder resolver a problemática ao invocar “A Verdade” como solução – qualquer que pudesse ser esta verdade. Seria inocência.


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