Portal de Conferências da UnB, I Jornada Discente de Pesquisa em Comunicação - PPGCom FAC/UnB (2017)

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OS DEJETOS DO CORPO COMO IMAGENS DE ABJEÇÃO
Vanessa Daniele de Moraes

Última alteração: 2019-06-16

Resumo


Resumo: O processo civilizatório solidifica a ideia de que temos um corpo sujo. Assim, um estudo das abjeções a partir dos fluidos corporais pode ressignificar autores e obras visuais, modificando nosso olhar para as discussões estéticas acerca do abjeto.

Palavras-chave: abjeção; dejetos corporais; imagens escatológicas.

Apresentação da proposta e objetivos

Pouco se discute sobre escatologia no Brasil. As projeções midiáticas atuais sobre o assunto são, muitas vezes, veiculadas de uma maneira pejorativa e abarcando o ridículo; porém o imundo raramente é pensado criticamente e poucos estudos acadêmicos abarcam este tema com naturalidade, que é como o abjeto deveria ser incorporado em nossa cultura. Devido às lacunas nesse campo do saber, pretendemos buscar um aprofundamento em questões sobre os resíduos corporais em obras de arte, e entre os artistas estudados estão o mexicano Francisco Toledo, que explora a temática abjeta em suas obras, elegendo, entre outras figurações, o excremento, a animalidade, a nudez e os mitos para compor seus quadros e esculturas. Frida Kahlo é outra artista que vai entrar no corpus devido a sua temática de fetos, sangue e abortos – que também serão pensados como dejetos corporais.

Procedimentos metodológicos

Pensaremos esses dejetos como símbolos de uma cultura e como eles são tratados/percebidos. E o pensador fundamental, nesse sentido, é Aby Warburg (2008). Seu estudo interdisciplinar, no início do século XX permite articular as experiências individuais de artistas com as tradições culturais. O pensamento de Warburg sobre as “imagens sobreviventes” será nosso método de trabalho: ele não postula uma historiografia evolutiva e linear; mas defende que a arte seja vista como uma interlocução entre mundo antigo e moderno; entre imagem e contextos culturais. Os símbolos, de acordo com Warburg, têm uma relação estreita com o imaginário, com o fantástico e com o hibridismo.

Referencial teórico:

De onde viria essa rejeição com as reações fisiológicas de nosso corpo? No sistema simbólico e na teoria da abjeção, de Julia Kristeva (1980), há sempre dois lados opostos (atração e repulsão), mas o negativo me parece sobressair quando tratamos de dejetos corporais. Não só com a merda, mas com outros fenômenos que produzimos: o suor, o vômito, a urina, etc. Seria mesmo viável pensarmos, como sugere o historiador mexicano Alfredo Lopez Austin, em herança biológica? Ou seria cultural? E sendo cultural, como são formadas essas noções de impurezas? Nosso percurso, nesse sentido, será o de investigar aquilo que chamamos de imundo e aquilo que seria higiênico, como resultado de um processo histórico. Queremos perceber em que medida, por exemplo, os excrementos humanos estão ligados ao atraso, no sentido urbanizador. Dentre o referencial teórico que aborda essa temática, elegemos Julia Kristeva (Poderes do horror), Georges Vigarello (O limpo e o sujo), Mikhail Bakhtin (A cultura popular na Idade Média e no Renascimento), Hans Belting (Antropologia da imagem), entre outros.

Resultados esperados:

Nossa hipótese é que o progresso vem trazendo um apagamento da naturalidade de alguns processos fisiológicos, como o ato de defecar. Viajar e ter que evacuar fora de casa, por exemplo, para muitas pessoas é um problema que acarreta danos à própria saúde em decorrência da constipação. Acreditamos que essa pouca intimidade com as fezes seja o reflexo das poucas abordagens sobre o excremento em narrativas, diálogos, filmes, objetos de arte, poemas e seu vínculo com a indústria cultural. Será que as fezes humanas foram, de certa forma, demonizadas social e moralmente em decorrência do tecnicismo? Enfim, será que a modernidade, com seus avanços científicos, dominou as civilizações, fortalecendo o aspecto demonizante e imoral dos excrementos? Também é importante verificar a sua relação direta com a sexualidade, já que os órgãos genitais são canais de eliminação de urina e fezes. Acreditamos que o pudor, a vergonha e a cautela não seriam necessários, ao falarmos sobre sexualidade/intimidade, se o progresso não inibisse ou freasse alguns processos fisiológicos. Sabemos que os cheiros corporais têm uma relação direta com a indústria dos cosméticos, pois foi preciso solidificar a noção de que o corpo humano é mau cheiroso (ou repugnante) por natureza para dar vez ao fortalecimento dos boticários e isso é mais um indício que ratifica nossa hipótese e vai desembocando nos resultados da pesquisa.

Referências:

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2008.

BELTING, Hans. Antropologia da imagem. Lisboa: KKYM + EAUM, 2014

KRISTEVA, Julia. Pouvoirs de l‟horreur. Essai sur l‟abjection. Paris: Éditions du Seuil, 1980.

LÓPEZ AUSTIN, Alfredo. Una vieja historia de la mierda. Ilustraciones de Francisco Toledo. México – DF: Ediciones Toledo, 1988.

VIGARELLO, Georges. O limpo e o sujo. Editorial Fragmentos: Lisboa, 1985

WARBURG, Aby. El ritual de la serpiente. Traducción de Joaquín Etorena Homaeche. Madrid: Ediorial Sexto Piso, 2008.