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EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE E SUA RELEVÂNCIA NA ATENÇÃO BÁSICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA
Luiza Souza, Laís Cristine Zanella Capponi, Camila Boschetti Spanholo, Irene Souza, Carla Beatrice Crivellaro Gonçalves

Última alteração: 2021-07-10

Resumo


Introdução: O Ministério da Saúde instituiu, em novembro de 2013, a Política Nacional de Educação Popular em Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)¹ pela Portaria N° 2.761, a qual reafirma a necessidade da integralidade do atendimento em saúde e da participação social. Visto a relevância dessa portaria, é inegável que a educação em saúde (ES) é um processo essencial para a construção de um sistema igualitário e equitativo para todos os cidadãos usuários, uma vez que ela propõe a aproximação dos profissionais de saúde com as lutas e vivências da sociedade construídas ao seu redor, facilitando a gestão participativa nos serviços de saúde, afastando a ideologia colonial, que coloca o usuário em posição submissa.8 A Atenção Básica (AB) é a porta de entrada do SUS, ou seja, é a ordenadora de cuidado, de ações e de serviços disponibilizados nas redes de atenção.¹ Dito isso, a AB é o local adequado para a implementação das ações educativas e integrativas em saúde. Visando à aplicação da ES na AB, é necessário que os profissionais sejam adequadamente qualificados para seu papel de educadores; sendo assim, é nesse contexto que, em 1991, o Ministério da Saúde implementou o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Inicialmente, os agentes comunitários de saúde (ACS) eram apenas encarregados de promover a saúde em algumas áreas do Norte e do Nordeste. Entretanto, devido a sua relevância na construção do sistema de saúde, os ACS passaram a ser vistos como os principais atores na ligação entre as necessidades da comunidade e a AB. A importância do ACS está no conhecimento dos costumes e tradições da comunidade que o mesmo possui, pelo fato de sua grande proximidade e integração com os usuários do SUS. Dessa forma, o ACS se constitui no educador mais adequado na implementação da ES, tendo em vista que possui conhecimento necessário sobre o cotidiano da comunidade para a resolução dos processos de saúde-doença. Além disso, o ACS é qualificado para horizontalizar as relações, aspecto de extrema relevância para a construção de um vínculo saudável com o usuário, pois, quando o processo educativo é vertical, o profissional impõe todo o conteúdo sobre o educando que recebe aquelas informações sem, no entanto, assimilar nenhuma.² Diante das considerações abordadas, é essencial a análise do trabalho e das ações executadas pelos ACS no espectro da Educação Popular em Saúde (EPS) na AB, expondo algumas evidências encontradas nesse campo de estudo, a fim de extrair as principais práticas aplicadas na ES e a maneira como as estas são formuladas e aplicadas pelos ACS em suas localidades de trabalho. Objetivos: Analisar as práticas de EPS na AB com ênfase na atuação dos ACS. Metodologia: Foi realizada uma revisão da literatura nas bases de dados Scielo e Lilacs. Foram usados os descritores "educação popular em saúde", “atenção básica” e “agentes comunitários”, abrangendo artigos de 2014 a 2021 e utilizando o operador booleano AND. Acerca dos critérios de inclusão dos estudos tem-se a gratuidade do documento, o idioma português, a nacionalidade brasileira, os artigos de revisão e os que eram pertinentes ao tema, sendo os critérios de exclusão artigos repetidos. Foram encontrados 31 artigos, sendo avaliados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, resultando em 8 artigos, os quais foram submetidos à análise. Desenvolvimento: A AB é definida como primeiro ponto de atenção e principal porta de entrada do Sistema pela Política Nacional de Atenção Básica (2011).3 Com a organização das Redes de Atenção à Saúde (RAS), a definição de AB baseou-se numa estratégia de direcionar as necessidades da população à integralidade do cuidado.3 A AB pretende desenvolver ações voltadas à prática do cuidado e gestão, de forma democrática e participativa. Ademais, a competência cultural torna-se o alicerce da AB, uma vez que é o ponto de encontro da família com a equipe de saúde.³ Visto que o objeto da AB se desloca do indivíduo para a família, com base no território em que vivem, é evidente que um dos pilares organizativos para o funcionamento do SUS é a ação educativa.5 A inclusão do ACS ocorreu com a Conferência Internacional de Cuidados Primários em Saúde de Alma-Ata (1978) e, a partir desse momento, o ACS torna-se essencial ao Sistema de Saúde, por passar a ser incluído em propostas da AB por solicitações governamentais, vindo a agir em ações de ES.5 Tendo em vista que é dever do profissional de saúde atentar o usuário sobre o cuidado com a sua saúde, individualizando cada atendimento, é preciso realizar uma escuta qualificada e compartilhar conhecimentos, tanto do profissional quanto do paciente.4 Dessa forma, o ACS atua centrando seus objetivos na promoção de saúde e prevenção de doenças e, para isso, a ação educativa se faz fundamental.3 Essa promoção de saúde não está relacionada apenas com os saberes científicos, mas também relaciona-se com a atenção às condições e aos modos de vida e de saúde da população e às suas diferentes formas de adoecimento, bem como com o cuidado com as relações sociais mantidas por essa comunidade e o modo que estas afetam o processo saúde-doença.3 Destaca-se, dentre uma das particularidades da atuação coletiva do ACS, a convergência entre conhecimentos: o distinto, popular, e o científico, técnico;3 ou seja, o ACS possui um status profissional, devido ao seu vínculo na equipe de saúde, sua formação e seus saberes e, simultaneamente, ele é pertencente à comunidade, por sua consciência cultural e territorial, e ambos extremos devem ser mantidos em sua atuação comunitária.3 Em busca da atuação educativa do ACS, o objetivo principal é superar a relação assimétrica comum entre profissionais de saúde e pacientes, mostrando que o ACS também faz parte da população e, mesmo tendo conhecimento científico, consegue preservar e valer-se de sua cultura e tradição, agregando no cuidado integral do paciente;3 esse objetivo é essencialmente alcançado pela prática da escuta ativa5 e da busca pela verbalização e discussão dos pensamentos individuais dos usuários.4 Essa prática seria a ideal; em contrapartida, na realidade de atuação dos ACS, podem ser notados inúmeros desafios que dificultam essa convergência entre eles e a comunidade; dentre esses desafios, encontra-se o excessivo caráter normativo e burocrático da ação dos ACS, fato que atua na redução do seu potencial criativo.3 Aliado a isso, além dos problemas que enfrentam na atuação como cidadãos, pertencentes de seus territórios locais, os ACS devem igualmente atuar como gestores de tais situações - isso é, há uma dupla pertença do ACS: ele lida com as mesmas dificuldades dos usuários de saúde, por conviver no mesmo território que eles, mas deve, da mesma forma, atuar sobre situações semelhantes relatadas pela comunidade.10 Portanto, o ACS comporta-se simultaneamente como um informante autorizado - agindo em nome da equipe de saúde, podendo interferir nos problemas da comunidade - e não autorizado - visto que pertence à comunidade e, assim como os outros residentes, encontra-se sem ação, sem autonomia.5 Além desses quesitos, existe a questão física presente em muitas unidades de saúde: a falta de espaço adequado para as atividades propostas; da mesma forma, o curto tempo disponível, devido a alta demanda de cada ACS, impede a realização de escuta ativa adequada por esses profissionais e, consequentemente, impossibilita a efetividade de seu ofício.3 Somada a esses desafios, a gestão por organizações sociais em alguns serviços municipais de saúde promove uma grande rotatividade de profissionais e, como consequência, dificulta a continuidade do trabalho do ACS, posto que o contato longitudinal com os moradores do território se faz essencial no compartilhamento de saberes, necessário à função dos ACS.11 Entre as queixas relatadas pelos ACS encontra-se também a falta de conhecimento científico para o exercício da profissão, enquadrando-se novamente no quesito da dualidade entre ser um residente e ser agente sobre a comunidade - se houvesse maior  formação específica, o acompanhamento das famílias seria mais efetivo;5 em suma, a qualificação do ACS não é suficiente para as atividades que envolvem integralmente a o corpo social, fazendo com que seu trabalho fique restrito a afazeres burocráticos, divergindo de sua real função.5 Como visto, o conceito de AB afirma que ela fornece atenção sobre a pessoa, e não somente sobre a enfermidade;¹ dessa forma, seu principal objetivo é a ação educativa (pois o conhecimento acerca da saúde é o princípio da promoção à saúde e prevenção de doenças), e isso é feito por meio dos ACS, dado que são os profissionais com maior proximidade cultural e territorial da comunidade, por isso, são os mais aptos para aplicar as práticas educativas que visam o compartilhamento de ensinamentos entre as famílias e os profissionais de saúde.5 Nessa ótica, a EPS faz-se fundamental à construção de novas perspectivas, dado que dialoga com a promoção de saúde, ao divergir dos determinantes tradicionais que atuam no processo saúde-doença.3 A EPS reconhece então o papel do ACS como um profissional da AB, atuando como um elo entre o usuário e os serviços de saúde, da mesma forma que dá voz às reivindicações da comunidade, como um mecanismo de participação social, ampliando, assim, o acesso à saúde e o protagonismo do sujeito na sua própria saúde.5 Nessa perspectiva, a ideia da ES é transpassar os determinantes orgânicos de uma doença, vindo a analisar todos os quesitos que interferem no processo saúde-doença, podendo ser eles sociais, culturais e econômicos.5 Em outras palavras, a demanda da população vai muito além do saber técnico10 - a educação popular trata-se da troca, da construção conjunta e do contato horizontal entre o AC e os participantes da comunidade,6 e isso é atingido a partir do modelo dialógico emergente na EPS, em que o  usuário encontra autonomia na aprendizagem - sendo capaz de tomar suas próprias decisões -, tornando-se o responsável pela sua própria saúde.4 Ressalta-se, então, que a EPS deve ser considerada uma prática social, a partir da problematização do cotidiano e da leitura das experiências individuais dos usuários do SUS.4 Nesse contexto, o cerne da EPS está nos movimentos sociais, uma vez que essa forma de trabalho objetiva a participação de todas as esferas, com intuito de analisar as problemáticas da comunidade de forma crítica e solucioná-las em conjunto, incluindo profissionais da saúde, educadores e os próprios usuários.11 Essa atuação em conjunto possibilita a construção de diferentes saberes, baseada na qualificação da escuta atenta, com enfoque nas diversidades e individualidades da comunidade;3 assim, irá ocorrer a promoção da autonomia tanto dos profissionais quanto dos usuários, por meio da corresponsabilização e reflexão crítica, ou seja, remove o caráter passivo do processo saúde doença.7 A efetividade da EPS e da ação educativa promove uma relação interpessoal horizontal vinda da abertura e da disponibilidade de escuta do outro, visto que há humanização no ato participativo4 - conclui-se, com a relação de educação, que não existe um saber verdadeiro, e, por isso, a importância da comunicação.4 A realidade singular de cada comunidade deve ser sempre mantida e observada para promover projetos de ES, a partir de planejamentos estratégicos situacionais e da análise crítico-reflexiva dos indivíduos da comunidade.9 Sumariamente, a EPS é um processo, dinâmico, que sofre mudanças a partir da sociedade em que está inserida, na qual o usuário é autônomo e porta o conhecimento sobre o próprio cuidado,6 baseando-se no processo crítico-social, em que a transformação fundamenta a  reconstrução da sociedade,5 vindo, por fim, a atuar na democratização das relações e na redistribuição do poder.3 Considerações: A AB torna-se de extrema relevância para a construção do SUS, mas ela só é efetivada com uma EPS concisa e contemplativa de todas as classes sociais e da abrangência dos indivíduos pelos ACS. Fica claro, contudo, que a atual realidade não é a ideal esperada para a EPS por conta dos grandes desafios que os ACS enfrentam, desde estruturais à comportamentais, devido à dualidade imposta pelo duplo pertencimento: como agente ativo, sendo trabalhador da área da saúde e, ao mesmo tempo, passivo, como morador da comunidade. A complexidade da ES foge da tradição vertical que tende a ser aplicada na comunidade, vindo a proporcionar a troca horizontal de saberes entre usuário e profissional; esse mecanismo de funcionamento do sistema permite que as ações em saúde sejam mais resolutivas, visto que o usuário torna-se ativo na compreensão e solução do processo saúde-doença, por meio de práticas educativas coletivas.


Palavras-chave


Educação em Saúde; Atenção Básica; Agente Comunitário de Saúde