Última alteração: 2020-08-18
Resumo
No início do mês de fevereiro deste ano circulou no jornal Chicago Sun Times a cópia da ordem executiva do governo do presidente Donald Trump intitulada “Making Federal Buildings Beautiful Again”[1]. Fazendo referência a George Washington e Thomas Jefferson que utilizaram a arquitetura clássica da Atenas democrática e da Roma republicana, o documento presidencial pretendia impor o vocabulário da arquitetura neoclássica a todas as futuras estruturas do governo federal a partir de uma revisão do Guiding Principles for Federal Architecture, um guia de projeto escrito ainda em 1962 pelo senador Daniel Patrick Moynihan, preconizando que os edifícios federais deveriam evitar um estilo oficial, mas refletir o tempo no qual foram projetados, ou conforme escreveu o seu autor “o projeto deve fluir da esfera da arquitetura para o governo e não vice-versa” (GUIDING PRINCIPLES FOR FEDERAL ARCHITECTURE, 1962). As críticas à ordem de Trump concentraram-se no argumento formal mais imediato considerando que regimes autoritários sempre desconfiaram “do novo e do inesperado” (CHICAGO SUN TIMES, 05/02/2020), e assim como Mussolini, Franco e Hitler, Trump também pretendia projetar tradição, ordem e a superioridade do Estado com uma arquitetura de inspiração clássica[2].
Por entendermos que a controvertida ordem do presidente americano, não constitui um problema de estilo, mas sim de representação, ou idéia conforme empregada por Decartes e os filósofos modernos[3], e nesse aspecto muito além da questão formal e da atual compreensão de representação quase que exclusivamente como meio condutor das ideias do arquiteto através do papel, ou da maquete seja como objeto real ou virtual, nossa sessão pretende promover uma discussão retomando o conceito de representação como instrumento crítico e historiográfico para a reflexão sobre a arquitetura e a cidade. Para tanto, retomamos a abordagem promovida pela história das representações, conforme definida na década de 1980, ou seja como uma ruptura em relação à história das mentalidades e a história das visões do mundo, em favor de uma história das maneiras e dos motivos, assim como explicitou um dos seus principais formuladores o historiador Roger Chartier[4]. Nesse sentido, a perspectiva analítica que alimentará o debate entre os participantes será fundada nas elaborações dos críticos e historiadores da arquitetura e do urbanismo que operaram a nova perspectiva da historiografia francesa, na busca da origem das formas e seus significados, assim como exemplificado nos escritos de Dalibor Vesely[5], e na relação entre a noção de forma e idéia, eidos, que na esfera visual aparece como ícone, ou eikon assim como entre representação e idéia[6]. Portanto, buscando recuperar a diversidade do mundo visual que se apresentou em termos tais como paradigma, tipo, símbolo, alegoria, emblema, figura, e assim por diante, até o século 18, e ao mesmo tempo que os projetos historiográficos e/ou críticos anteriores que utilizaram modelos afins ainda nas primeiras décadas do século 20. Nesse sentido, lembramos de Marcel Poete que descobriu o seu tema de investigação entre as representações urbanas encontradas nas coleções de gravuras das bibliotecas francesas onde trabalhou por décadas[7], ou então Richard Krautheimer e o seu fundamental estudo sobre a iconografia dos edifícios religiosas medievais e a transferência das formas arquitetônicas entre continentes, desenvolvido a partir das fontes manuscritas medievais[8]; ou ainda as elaborações do casal Smithson sobre o espaço inspiradas nas representações urbanas do documentarista e fotografo Nigel Henderson e sua esposa antropóloga Judith[9], e já na década de 1980, os escritos de Reyner Banham demonstrando a importância das representações da cidade americana e sua arquitetura na disseminação de uma linguagem moderna entre o continente americano e a Europa[10], bem como a discussão mais recente de Spiro Kostof sobre a forma urbana fundada em representações iconográficas das mais variadas fontes[11].
Os trabalhos participes dessa sessão livre são divididos em quatro perspectivas distintas. A primeira delas diz respeito a representação como operação historiográfica conforme apropriada pelo historiador inglês Rudolf Witkkower no imediato pós-guerra. A segunda perspectiva diz respeito à representação iconográfica, tratando particularmente da fotografia como instrumento historiográfico essencial na análise da narrativa histórica, abordando geografias e períodos distintos, das revistas profissionais francesas entre as décadas de 1920 e 1930, às publicações dedicadas a arquitetura moderna espanhola entre as décadas de 1960 e 1990, buscando identificar estratégias editoriais. A terceira abordagem proposta discute o uso da representação nas elaborações teóricas e críticas dos arquitetos, a partir dos seus exercícios gráficos dos arquitetos Ernesto Katzenstein, na Argentina e John Hejduk no EUA. Enquanto que a quarta e última aproximação analítica sugere o escrutínio da forma como representação, ou ideia, na obra arquitetural de Paulo Mendes da Rocha.[1] Chicago Sun Times, “Make federal buildings ‘beautiful again?’ Trump declares war on modern architecture”, 05/02/2020.[2] Chicago Sun Times, “Make federal buildings ‘beautiful again?’ Trump declares war on modern architecture”, 05/02/2020.
[3] Ver ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 524.
[4] Ver CHARTIER, Roger. “Le monde comme representation”. Annales. Histoire, Sciences Sociales. Paris: École des hautes études en sciences sociales, ano 44, n. 6, nov.-dez., 1989, p. 1505-1520.
[5] VESELY, Dalibor, “Architecture and the Conflict of Representation”. AA Files. Londres: Architectural Association School of Architecture, n. 8, Jan. 1985, p. 21-38.
[6] ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 526, 853.
[7] POËTE, Marcel. Introduction àl’Urbanisme. Paris: Bovin, 1929.
[8] KRAUTHEIMER, Richard. “Introduction to an ‘Iconography of Mediaeval Architecture’”. Journal of the Warburg and Courtauld Institutes. Londres: The Courtauld Institute of Art, v.5, 1942, p. 1-33.
[9] Ver RISSELADA, Max; HEUVEL, Dirk van den. TEAM 10 in search of a Utopia of the Present. Roterdam: Nai Publishers, 2005.
[10] BANHAM, Reyner. A Concrete Atlantis- US Industrial Building and European Modern Architecture. Cambridge: MIT Press, 1986.
[11] KOSTOF, Spiro. The City Shaped. Urban Patterns and Meanings Through History. Nova York: Bulfinch Press, 2004.