Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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PRÁTICAS NA ENCRUZILHADA: MÉTODOS, FORMATOS E NARRATIVAS PARA NOVAS FORMAS DE PENSAR A ARQUITETURA
ANA PAULA POLIZZO, Ayara Mendo Pérez

Última alteração: 2020-08-19

Resumo


Durante a estruturação desta proposta de discussão nos deparamos com a crise sanitária de escala global provocada pela pandemia do Covid-19, que impactou drasticamente na vida da população planetária. O isolamento social dentro do nosso espaço doméstico foi a solução coletiva encontrada unanimemente pela sociedade global como forma de sobrevivência à pandemia que nos assola cotidianamente como humanidade. Esta vivência socioespacial do distanciamento que ao mesmo tempo nos conecta à escala coletiva planetária, fomenta o processo reflexivo que vinha acontecendo na construção desta sessão livre. A circunstância nos revela a necessidade de sermos radicais na urgência temporal de construirmos e materializarmos coletivamente múltiplas práticas arquitetônicas na encruzilhada. Urge igualmente um questionamento dentro no nosso próprio campo de saber: que impactos que esta crise planetária provocará no âmbito das categorias público/privado, individual/coletivo, cidade/habitação, rural/urbano, etc. uma vez que, pelas condições, esses binômios são sequestrados do seu sentido original e substancial? Quais seriam os modos de explorar e adentrar nas “frestas” provocadas por este tremor epistemológico?

A sessão livre Práticas na Encruzilhada propõe apresentar uma série de práticas arquitetônicas docentes e profissionais que já vinham operando nas brechas abertas por outras tensões – urbanas, raciais, cultuais, políticas, etc. – impostas no pensar e fazer arquitetura no território brasileiro. Estas possuem o objetivo comum de produzir conhecimento que bifurque do imaginário hegemônico, tensionando e transgredindo os cânones, as regras, as normativas. Se apresentam, assim, como uma cartografia em construção e ponto de partida para encarar – como cidadãos, arquitetos e urbanistas – de forma urgente e coletiva, no âmbito da nossa disciplina, as diversas crises – sanitária, ambiental, energética, socioeconômica – que se apresentam no mundo contemporâneo.

Cabem assim, mais questionamentos do que respostas precisas. Frente a realidades pouco favoráveis, como realizar uma prática engajada, comprometida com questões políticas e sociais, que não renuncia ao seu poder propositivo, e seja capaz de gerar pequenas revoluções? E de que forma essas práticas seriam capazes de produzir enunciados coletivos e compartilhados, abertos às diferenças e a outras lógicas do saber que nos são inerentes?

O historiador Luiz Antonio Simas e o pedagogo Luiz Rufino instrumentalizam nossa discussão com a noção de encruzilhada como potência de mundo (SIMAS e RUFINO, 2018, p. 25): lugar que por sua essência – a interseção de caminhos variados pelo viés do encante – é carregado pelo impulso criativo. A encruzilhada seria o espaço propício para as práticas interdisciplinares, aquelas que se nutrem do compartilhamento de diversos saberes. Constitui-se assim, espaço de livre circulação de conhecimentos, ações e táticas, onde as hierarquias são transgredidas e as dicotomias – individual/coletivo, público/privado – se encontram e se dissolvem, podendo ser reconduzidas para um sincretismo epistemológico. Logo, esta sessão busca lançar luz sobre práticas que entrecruzem metodologias e formas de saber, sendo capaz de criar consciências diversas além de novos territórios e novas maneiras de vivência.

Entendemos que estas “práticas na encruzilhada” se aproximam daquilo que a arquiteta americana Jill Stoner defende enquanto uma “arquitetura menor” (STONER, 2012): práticas que se afastam das ordens obsoletas de mercadoria, originalidade, individualidade, permanência e perfeição, e, imbuídas por forte grau de inquietude, investem em outros meios de existência. Além disso, seriam práticas que assumem dimensões políticas e tomam valor de coletivo, abdicando de uma enunciação individuada do sujeito. Nesse sentido, o menor é o revolucionário, porque abre outros possíveis modos de vir a ser baseados na diversidade de saberes, muitas vezes minoritários e contra-hegemônicos. Logo, práticas de caráter menor nos anunciam relações compartilhadas a partir do saber do outro, habitantes de contextos singulares e dispostos a experimentar de modo cúmplice e singular, nas “frestas” do campo maior das estruturas de poder e do domínio arquitetural, outros modos para a formação, para a prática, para a vida.

Nesta sessão apresentaremos seis práticas implementadas e/ou idealizadas no território brasileiro, que operam através de sincretismos epistêmicos ou metodológicos, novas formas de construir narrativas arquitetônicas nas encruzilhadas nos mais diversos formatos – cartográficos, fílmicos, literários, jornalísticos, didáticos, etc.:

A Revista Piseagrama materializa uma prática editorial na encruzilhada e conforma um espaço onde confluem periodicamente relações sinérgicas entre diversos campos de saber; a produção do documentário “A Cidade de Portas” mostra o espaço entre a arquitetura e o cinema para erguer outras narrativas urbanas, incorporando o tempo como matéria de projeto; a publicação “8 Reações para o Depois” propõe um kit léxico pautado pelas costuras construídas entre pensadores, territórios e ações; a Agência Autônoma tensiona a construção das narrativas hegemônicas históricas indígenas e propõe uma nova perspectiva de pensamento que se nutre dos saberes arqueológicos e forenses para contra-argumentar novas narrativas territoriais; “Desejos do Construir” apresenta uma experiência docente realizada na FAU/UFRJ cujo interesse pedagógico é articular a integração entre saberes e atores periféricos e externos ao nosso campo de conhecimento e as disciplinas operativas tradicionalmente instauradas no espaço universitário (no âmbito de um exercício projetual arquitetônico) e por fim “Outros Territórios” que constrói um debate urbano coletivo para o pensar de forma relacional possíveis intervenções efêmeras nas palafitas do bairro Buritis através do formato de concurso.

Apesar de sua natureza diversa, são todas práticas menores produzidas nos últimos anos que se conectam epistemologicamente pela sua ambição comunicativa, seu caráter fortemente questionador, e ao mesmo tempo por estarem comprometidas com a exploração de novos formatos de ação política e territorial. Se apresentam assim, como um “mapa do tesouro” ao esboçar uma cartografia que articula complexos territórios – político, cultural, econômico e ambiental – podendo nos auxiliar a pensar, frente a condição de urgência que estamos imersos, em ferramentas para uma prática que atualize a nossa própria disciplina.


Palavras-chave


práticas arquitetônicas; encruzilhada; arquitetura menor

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