Última alteração: 2020-08-18
Resumo
O meio ambiente urbano como cenário onde acontecem relações sociais, políticas e econômicas, desempenhadas por diversos grupos e construídas coletivamente, inclui diferentes culturas e valores impressos no espaço urbano e nos ecossistemas. Essas dimensões coexistem nas cidades, mas nem sempre convergem em projetos que visam transformações socioespaciais de interesse social e coletivo. O planejamento urbano, a saúde pública, assim como as áreas de arquitetura e engenharia trabalham essas questões de forma dissociada de uma concepção ecossistêmica, aumentando os desafios frente às mudanças climáticas e, mais atualmente, ao contexto COVID19 e pós-COVID19.
Nas primeiras décadas do século XXI, os instrumentos de controle do uso do solo urbano têm servido mais a interesses particulares de uma minoria do que aos interesses da coletividade, sob o ponto de vista das comunidades urbanas. Do mesmo modo que as medidas compensatórias para recuperar perdas irreparáveis do patrimônio ambiental são insuficientes, sob o ponto de vista da natureza. Alguns pesquisadores visualizam as correlações existentes entre a saúde humana e o estado dos ecossistemas, as manifestações de doença e saúde ocorrem em contextos socioecológicos complexos, tendo a bacia hidrográfica como unidade de planejamento.
Neste sentido, estudos fundamentados em uma abordagem transversal aos três registros ecológicos, ou seja, as três eco-lógicas do meio ambiente, das relações sociais e da subjetividade humana, buscam compreender as singularidades na diversidade coletiva, inerentes às relações entre comunidade e natureza, como uma das chaves na busca por transformações socioespaciais potencializadoras do coletivo (GUATTARI, 2012).
Para tanto, pressupõe-se que análises sob a perspectiva micropolítica, proposta por Guattari e Rolnik (1996), como a resistência das comunidades tradicionais ou mesmo a resiliência do movimento de ecobairros e ecovilas, coexistem e são reciprocamente atravessadas pela macropolítica, oferecidas pelas visões do Direito à Cidade (LEFEBVRE, 1991) e pelo pensamento complexo e da transdisciplinaridade (MORIN, 2005), composição teórica que possibilita uma visão ampliada. “Em suma, tudo é político, mas toda política é ao mesmo tempo macropolítica e micropolítica” (GUATTARI, ROLNIK, 1996, p. 83).
Questões ambientais e sociais no meio ambiente urbano não são tratadas de forma interdependente, pelo contrário, disputam valorações, referindo-se ao nível local ou à cidade. Iniciativas locais vêm emergindo em meio a essa complexidade. Com uma metodologia de análise desenvolvida para compreender a origem dessas iniciativas e as interrelações existentes entre comunidade e natureza, é possível identificar caminhos de resistência e de resiliência em práticas e projetos no meio urbano. Por sua vez, estes podem ser potencializados nos processos decisórios de transformação socioespacial nas cidades (ROCHA, 2017).
Esta sessão, portanto, se propõe a reunir experiências que apresentem caminhos de convergência socioecológica em projetos de escala local, urbana e regional no campo da Arquitetura-Urbanismo e da Saúde, aproximando ciências ecológicas e sociais. Esse diálogo torna-se necessário para lidar com impactos sociais e ambientais persistentes nos contextos desiguais das cidades brasileiras, para além da Agenda 2030, com uma visão transdisciplinar e transescalar dos padrões espaciais dos “ecossistemas urbanos”, conforme proposta por Andrade (2014), que inclui os aspectos físicos, biológicos, sociais e do ambiente construído.
As experiências apresentadas têm em comum o reconhecimento de saberes, práticas e projetos que transitam em campos transdisciplinares, de relevância ambiental e social nas interações de ensino-pesquisa-extensão. Contribuem para o diálogo entre grupos de pesquisa-extensão, movendo recursos para promover conexões natureza-comunidade em projetos.
Propõe-se breve panorama brasileiro, desde o centro-oeste, nordeste, norte, sudeste, ao sul do país, reunindo experiências que passam pelo protagonismo técnico, e também de protagonismos outros, em meio aos cidadãos-agentes de transformação urbana. Por um lado, com táticas urbanas e renovação de espaços públicos e, por outro lado, enfrentando a injustiça ambiental, sob o paradoxo da prática da remoção de populações, justificadas por degradações ambientais injustamente atribuídas.
Adota-se abordagem transdisciplinar crítica que considera as relações entre os saberes populares e o conhecimento técnico, as conexões com o ambiente construído e o natural. Ainda que se reconheça a coexistência de forças de resistência, busca-se expandir o olhar para potencializar convergências na direção de resiliência comunitária e urbana, possíveis quando se trata de uma atuação profissional propositiva e engajada, identificando tecnologias sociais e construtivas de baixo impacto ambiental, que se aproximam a melhores condições de qualidade de vida e saúde para populações em situação de vulnerabilidade.
O debate reconhece o “lugar” das práticas comunitárias emergentes em diferentes contextos, como os que se encontram nesta sessão - potencialidades latentes de transformação socioespacial.
A partir do centro-oeste, apresenta-se experiências extensionistas transdisciplinares e transescalares com metodologia que considera os sujeitos sociotécnicos do território, os padrões e táticas urbanas relacionadas às dimensões da sustentabilidade.
Referindo-se ao nordeste, a Bahia apresenta duas experiências que aplica metodologia de leitura socioecológica para identificar e fortalecer práticas comunitárias emergentes nos processos de transformação socioespacial.
Já o norte aborda experiência em comunidades tradicionais, onde pesquisas identificam possíveis questionamentos do que seriam referências que dialogam com a realidade local, a disputa pela terra das ocupações tradicionais no contexto amazônico em Santarém, incitando a emergência por novos padrões de urbanização relacionados à natureza e a distância epistemológica dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O sudeste traz duas experiências. Uma, sistematiza inquietações sobre o ensino de projeto de arquitetura, urbanismo e planejamento territorial no Brasil e propostas para práticas profissionais mais efetivas frente às mudanças climáticas e às epidemias de dengue, agora pela pandemia da COVID-19. A outra, voltada para uma experiência piloto de elaboração de um PL para implantação de ecobairros, em áreas urbanas de São Paulo.
Do sul do país, uma iniciativa no âmbito da especialização recupera práticas e produtos sustentáveis em tecnologias sociais e de baixo impacto na construção experimentos-piloto, capaz de exemplificar um possível diálogo pelo viés da tecnologia que considera o meio social e ambiental em suas soluções na escala da edificação.
Nesse breve panorama nacional de experiências em busca de caminhos de convergência socioecológica, motiva-se questionar: Quais os diversos caminhos, como se diferenciam/assemelham? Ampliam o diálogo social-ambiental na transformação das cidades? Quais desafios e potencialidades dessa visão socioecológica no âmbito do ensino-pesquisa-extensão universitária?