Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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OCUPAÇÕES E AS INSURGÊNCIAS
Rovenir Bertola Duarte

Última alteração: 2020-08-19

Resumo


O chamado modelo de desenvolvimento capitalista tem produzido fenômenos cada vez mais contraditórios, entre eles está o aumento de imóveis vazios e abandonados nas áreas urbanas. No Brasil, segundo o prof. Edésio Fernandes (University College London)[1], existem cerca de 6,05 milhões de imóveis vazios ou abandonados frente ao triste déficit de 6,9 milhões de famílias sem casa. Trata-se de uma fabricação de obsolescências resultantes da voraz especulação imobiliária capitalista. Contudo, uma ação tática em resistência a este fenômeno emerge através de movimentos periféricos de ocupações de espaços ou construções abandonadas nas áreas urbanas do mundo todo (os Okupas, Squatting, Kraken ...). No Brasil, uma enorme e valiosa experiência de lutas produtoras de vilas, favelas, cortiços, associações e instituições culturais comunitárias necessita ser entendida e pesquisada. Se existe um verbo que personifica um dos modos mais contundentes de ação política contemporânea, este verbo é o ocupar. O termo Ocupação trata do ato de ocupar visando restituir a função social de uma propriedade que nega sua responsabilidade com a sociedade. Assim, num claro sentido de contestação ao modelo opressor, e à revelia da permissão de seus proprietários, ocupar aqui deve ser pensado como uma [ins]urgência, que parte das necessidades por moradia, fontes de renda/trabalho e ambientes de cultura e formação. Um ato político que estimula o sentido coletivo e autogestionário, uma abordagem crítica às dinâmicas do mercado e consumo, que, como destacam Davis e Raman (2013)[2], vai além da simples ideia de cidadania, para pensar uma forma particular de praticar uma “política da insurgência”. Desde a Constituição Brasileira (1988) e o instrumento legal do Estatuto das Cidades (2001), aqui no Brasil, as ações das ocupações tem reforçado a luta pelo Direito à cidade e à moradia, onde, ao invés de criminalização, abre-se campo para falar de justiça social. Entretanto, a perspectiva horizontal desta abordagem confronta os códigos culturais hierarquizados da própria disciplina arquitetônica, muitas vezes, baseados na presença do usuário como um intruso e que ameaça à autoridade do arquiteto. Tal abordagem propõe uma arquitetura experimentada coletivamente, onde o usuário pode ser pensado como uma espécie de “arquiteto ilegal” (HILL, 2005). Dessa forma, as ocupações propõem ser entendidas como um processo de desterritorialização, para em seguida fazer a reterritorialização por outros meios.

Essas ocupações têm instigado algumas pesquisas e ações em diversas áreas do conhecimento dentro das universidades brasileiras. Assim, essa sessão temática tem por objetivo reunir propostas que tenham a questão da ocupação e seu papel político como assunto, voltando-se para temas como: ocupações e a linguagem da insurgência; ocupações e o direito à cidade e à arquitetura; a participação e coletividade no entendimento do processo projetual em ocupações; reuso de edificações e desenvolvimento sustentável; entre outros.

A pesquisadora Dra. Simone Gatti (FAU-USP) abre esta sessão com um panorama sobre 51 ocupações no centro expandido de São Paulo. Enfatiza a luta dos movimentos de moradia pelo direito à habitação bem localizada e sua pressão por novas políticas públicas habitacionais. Observa ainda a relação entre o descumprimento da função social de imóveis abandonados e as vulnerabilidades econômica e social. A autora, embora ressalve algumas ações da Prefeitura de São Paulo, ressalta a necessidade de ações que almejem ir além das soluções emergenciais. Para isso, pormenoriza duas estratégias de restabelecimento da função social da propriedade, destacando a necessidade de qualificação da política pública no Brasil. Em seguida, a profa. Dra. Maíra Machado-Martins (PUC-Rio) propõe pensar o habitar como um lugar resultante de uma ação, que absorve as experiências e significados das pessoas que realizam ali alguma atividade. Ela investiga duas tipologias de ocupação – uma liderada pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e outra independente de Movimentos Sociais – e um conjunto habitacional do PMCMV, ambas na cidade do Rio de Janeiro, para discutir três pontos: a qualidade dos espaços reconvertidos, o espaço como cristalização das relações sociais e o processo de apropriação. Objetiva entender o engajamento e apropriação do ocupante na transformação do lugar. O prof. Dr. Rovenir Duarte (UEL), por sua vez, discute a formação do território projetual como conhecimento oriundo de um “bom encontro” (DELEUZE, 1999) entre arquitetos do EMAU OCAS e usuários do Movimento de Artistas na Okupação em Londrina, desde 2015. Propõe rastrear táticas e estratégias (CERTEAU, 2000) no processo de trabalho, frente ao conflito entre o conhecimento territorializado e as ações libertárias desterritorializadas dos ocupantes. O prof. Dr. Fernando Fuão (UFRGS) apresenta reflexões sobre a experiência no Ateliê de Projeto, iniciada em 2016, com tema voltado para intervenções presenciais na ocupação Ksa Rosa em Porto Alegre. Propõe o debate sobre a amplitude ética do ato de fazer projeto. Essa experiência, premiada em 2019 como destaque do Salão de Extensão da UFRGS, vincula Pesquisa e Extensão, envolvendo professores dos cursos de Arquitetura, Artes e Engenharia. O prof. José Carlos Lemos (UFRGS) retoma a experiência na Ksa Rosa, citada anteriormente, para reposicionar a ação espacial do arquiteto na ocupação frente ao contexto teórico das filosofias da Desconstrução de Derrida (1997; 1998) e da Ética da Alteridade de Levinas (1980; 2012). A pesquisa revisita o diálogo pedagógico da experiência, tomando o arquiteto como um ativista para, então, confrontá-lo com as discussões filosóficas latino-americanas da decolonialidade (QUIJANO, 1997 e 1999) (PALERMO; QUINTERO, 2014). Busca um método que desconstrua as ações espaciais deste arquiteto ativista, como algo estranho, colonizado, escravizado e oprimido em nossas cidades. Enfim, o Prof. Dr. Otavio Ribeiro (PUC-Rio) propõe uma reflexão para o fechamento da sessão onde explora as relações conceituais e seu potencial político. Estas relações ocorrem entre as ocupações dos espaços urbanos e as diversas formas de ocupação do discurso. Para este feito, investiga os nexos discursivos de práticas operadas por performers e artistas conceituais desde 1960, para colocá-los frente ao ato político de ocupar, infiltrar e profanar o espaço.


[1] Ver: ODILLA, F; PASSARINHO, N.; BARRUCHO, L. Brasil tem 6,9 milhões de famílias sem casa e 6 milhões de imóveis vazios, diz urbanista. BBC News, 2018. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44028774>.

[2] Em: DAVIS, Diane; RAMAN, Prassanna. “The Physicality of Citizenship: The Built Environment and Insurgent Urbanism”. Thresholds – "Revolution!“ Cambridge: MIT Architecture, N. 41, 2013, pp.60-73.


Palavras-chave


Ocupações; direito à cidade; arquitetura das insurgências; política e arquitetura

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