Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DA ARQUITETURA NA AMÉRICA LATINA (1960-2015)
Nilce Cristina Aravecchia-Botas

Última alteração: 2020-08-19

Resumo


A conformação do campo disciplinar da arquitetura e do urbanismo na América Latina esteve relacionada à atuação das vanguardas da década de 1920, pautada nos binômios tradição/modernidade, local/universal, e comprometida com as identidades nacionais. Reflexões teóricas, artistas e obras materializaram o desejo de autonomia para a substituição de hegemonias culturais, que marcaram o território desde a colonização. Essa preocupação se manteria pelas décadas seguintes, e a historiografia e a crítica da arquitetura e da cidade desde a década de 1960 seriam, em grande medida, suas devedoras. Nesse processo destacaram-se as figuras de Francisco Bullrich e Jorge Enrique Hardoy, entre outros intelectuais, que se ocuparam de construir narrativas que funcionassem também como reflexão crítica sobre a prática da arquitetura, do urbanismo e do planejamento.

No livro New Directions in Latin American Architecture (1969), publicado também em espanhol no mesmo ano como Nuevos Caminos de la Arquitectura Latinoamericana, Bullrich destacava a contribuição do continente para o debate internacional, catorze anos depois da exposição Latin America Architecture since 1945 e do catálogo homônimo em língua inglesa, organizados pelo historiador norte-americano Henry-Russel Hitchcock a serviço do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). Mas em algo que soava como resposta à abordagem catalográfica de Hitchcock, o argentino apresentava a arquitetura latino-americana como parte da arquitetura mundial e não como outra, exótica (SCHMDIT, 2015, p.114).

Pouco antes, o argentino Jorge Enrique Hardoy com seus livros Ciudades Precolombinas (1964) e Las ciudades de América Latina. Seis ensayos de urbanización contemporánea (escritos entre 1965 e 1969 e publicados em 1972) também inaugurara uma visão considerada mais complexa e integradora do fenômeno urbano latino-americano, assentando as bases para inúmeras investigações posteriores. Ao mesmo tempo que incluía as dinâmicas territoriais, Hardoy abria a história para os universos sociais, econômicos e culturais contemporâneos em retroalimentação com o planejamento urbano (ALMANDOZ, 2005, p. 122-24).

De fora do campo da arquitetura e do urbanismo, outros nomes vieram se somar a tais discussões, entre os quais José Luis Romero, no hoje clássico Latinoamerica: las ciudades y las ideas (1976), e Ángel Rama, com La ciudad letrada (1983). Ultrapassando as fronteiras políticas e geográficas, buscaram compreender um movimento geral de urbanização do continente como parte da cultura Ocidental, mas cujas especificidades, por sua vez, tencionaram o próprio Ocidente.

Vários foram os desdobramentos da historiografia da arquitetura, mais ou menos vinculada à história da cidade e do urbanismo. Com abordagens distintas, por vezes contraditórias, e até conflitantes, trabalhos como os dos argentinos Ramón Gutierrez (1984), Enrique Brownie (1988), do italiano-cubano Roberto Segre (1986, 1991), e do mexicano Antonio Toca Fernandez (1988), recolocavam o problema das características específicas da região. Destaca-se a contribuição de Marina Waisman, que apontou o problema do "ponto de vista", a enunciação do lugar do intelectual. A arquiteta argentina propunha uma reflexão sobre a herança epistemológica europeia do campo disciplinar da arquitetura e do urbanismo. Seu trabalho El interior de la historia: historiografía arquitectónica para uso de Latinoamericanos (1990), resultou de mais de uma década de reflexões, apresentando uma espécie de chamado à consciência para que o historiador e intelectual latino-americano evitasse assumir discursos que tendessem a reproduzir hierarquias já consolidadas.

Depois disso, outros historiadores latino-americanos avançaram na direção de questionar as construções canônicas da história da arquitetura. Entre tantos, são os casos dos também argentinos Jorge Francisco Liernur e Adrián Gorelik, que em obras como Escritos de arquitetura del siglo 20 en América Latina (2002) e Das Vanguardar à Brasília (2005), respectivamente, entre outras, buscaram desafiar o projeto crítico de base marxista defendido pelo italiano Manfredo Tafuri, dada sua dimensão eurocêntrica.

Esse largo processo contribuiu para reorientar as pesquisas em história da arquitetura e do urbanismo na América Latina, no sentido de ampliar temáticas e trajetórias, e construir narrativas transnacionais e globais que relativizam o papel preponderante de europeus e norte-americanos. Nesse sentido, destacam-se duas novas produções já na segunda década do século XXI, num momento de interesse renovado pela cultura arquitetônica da América Latina - do qual essa mesa é também um índice.  O trabalho do brasileiro Fernando Lara e do mexicano Luis Carranza, o livro Modern Architecture in Latin America: Art, Technology, and Utopia, foi publicado em inglês pela University of Texas Press em 2014, quase que simultaneamente à nova exposição do MoMA de New York dedicada à arquitetura latinoamericana e intitulada Latin America in Construction: Architecture 1955–1980 que aconteceu em 2015. Essa última, organizada por Barry Bergdoll, teve a curadoria compartilhada entre o mexicano Patricio del Real, o argentino Jorge Francisco Liernur e o brasileiro Carlos Eduardo Comas, sendo acompanhada da publicação de um catálogo com o mesmo título. No livro de Lara e Carranza é evidente o esforço em incorporar temáticas e trajetórias menos conhecidas, sendo estruturado de modo a evitar narrativas lineares, únicas e dependentes e na exposição do MoMA, acompanhada do catálogo homônimo, o papel dos curadores latino-americanos foi decisivo para relativizar a preponderância de europeus e norte-americanos na constituição de uma única lógica explicativa da história da arquitetura.

Soma-se a esses dois eventos o crescente interesse internacional por trajetórias de arquitetos modernos até então menos conhecidas nos países do Atlântico Norte como da italiana radicada no Brasil Lina Bo Bardi ou do uruguaio Eladio Dieste, ou mesmo pelas arquiteturas contemporâneas de países como Equador, Paraguai e Bolívia, que pouco ou nada apareciam nas narrativas anteriores.

O tema deste simpósio se insere neste marco temporal entre meados dos anos 1960 e a segunda década do século XXI, entendendo-o como momento de constituição e amadurecimento de um fecundo debate sobre a história e a historiografia da arquitetura e urbanismo na América Latina.

Nesse sentido, os trabalhos aqui reunidos buscam contribuir e aprofundar histórica e historiograficamente tal debate, buscando justamente dialogar com essa bibliografia e refletindo criticamente acerca dessa produção na relação com a história da arquitetura e da cidade produzidas contemporaneamente. Busca-se assim os seus rendimentos na discussão historiográfica e política do lugar da América Latina hoje.


Palavras-chave


HISTORIOGRAFIA; CRÍTICA; AMÉRICA LATINA

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