Última alteração: 2020-08-19
Resumo
O conjunto de trabalhos aqui apresentados responde a um processo de interlocução entre pesquisadores de diferentes instituições que vêm atualizando um processo já em andamento nas últimas décadas de revisão da historiografia da arquitetura moderna brasileira, seja revisitando criticamente a historiografia canônica, seja redimensionando o significado de arquitetos ou intelectuais, seja ainda buscando novos procedimentos metodológicos e/ou a redefinição de temas ou objetos de pesquisa capazes de enriquecer o campo da historiografia brasileira.
De orientações e filiações historiográficas múltiplas, o elemento que estabelece as bases para essa interlocução é o reconhecimento da relevância das relações entre a arquitetura e suas representações historiográficas, compreendendo que as narrativas são sempre estruturadas a partir das preocupações do presente e que, por consequência, constituem um movimento de permanente atualização e reescritura.
Ao mesmo tempo, compartilham o entendimento de que as narrativas são parte constitutiva e ativa da cultura arquitetônica, incidindo, portanto, sobre o fazer arquitetônico ainda que não necessariamente no sentido de uma história - ou histórias – operativa.
Inseridos nesse conjunto mais amplo de investigadores e temas, os trabalhos aqui apresentados têm como fio condutor a reflexão sobre autores ou narrativas que se voltam para a compreensão dos liames, complexos e multifacetados, entre tradição e modernidade, entre passado e presente, entre identidades e universalidades.
Teses para a (n)ação: Manoel de Araújo Porto Alegre e a arquitetura de um país informe, analisa as “teses para debate” apresentadas em 1855 por Porto-Alegre (1806-1879) a seus colegas da Academia Imperial de Belas Artes e consideradas aqui como reflexões organizadas sem hierarquia aparente e de foco incerto, embora pertinentes em suas indagações ao campo artística e cultural do Segundo Império. Busca compreender como a justaposição algo insólita de temas e objetos permite entrever a precedência de alguns temas articulados à configuração das matrizes em que fincar a busca por uma arquitetura para o Brasil, lançando assim questões que ressoariam largamente no campo da arquitetura brasileira e sua historiografia.
O Iberismo como primitivismo: a abordagem de José Mariano Filho se debruça sobre as formulações do conhecido ideólogo do movimento neocolonial brasileiro a partir do reconhecimento do primitivismo como base para a ruptura estética em direção à emancipação cultural que permitiu a afirmação do ‘moderno”, compreendido como “novo” em relação ao “tradicional”. A hipótese do trabalho é que Mariano Filho abordou o iberismo como um primitivismo, isto é, como uma regressão cultural em relação ao ecletismo que resultou na busca da essencialidade na qual se afirmou depois o modernismo brasileiro.
Arquitetura, cidade e história em Gilberto Freyreparte da lembrança de que Aldo Rossi, na introdução a seu Arquitetura da Cidade(1966) evoca a obra de Gilberto Freire como um “tipo de estudo que pode trazer uma contribuição fundamental ao estudo mesmo das utopias urbanas e da construção da cidade” para destacar que, para além revelar imprevistas afinidades eletivas, acentua a necessidade de considerar com mais atenção as posições do antropólogo nesse debate. Resgatando também o prefácio de Fernand Braudel à tradução italiana de Casa Grande e Senzala, busca desvendar como é possível desvendar na obra de Freire dos anos 30 um raro precedente do jogo entre sincronia e diacronia e do interesse pelo mundo material como fontes históricas que se tornaram correntes nos anos 60 com a segunda geração da escola dos Annales.
Lúcio Costa e a História, na históriapropõe um recenseamento das principais formulações historiográficas e analíticas mais recentes da obra teórica do arquiteto usualmente considerado como o principal formulador e ideólogo do que viria a ser consagrado como a formulação doutrinária canônica da arquitetura moderna brasileira, na perspectiva de desvendar as múltiplas e complexas relações entre essa formulação e suas aproximações à história, seja como elaborador de uma matriz explicativa que se consolidou como trama narrativa dominante da arquitetura moderna brasileira seja em sua atuação como historiador da arquitetura do passado e formulador dos princípios de preservação patrimonial.
Henrique Mindlin e a construção do Modern Architecture in Brazil pretende analisar essa obra a partir de três enfoques. O primeiro é a sua construção no tempo associado ao papel desempenhado pelo arquiteto formado em São Paulo e radicado no Rio de Janeiro. O segundo é a narrativa acerca do desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira e sua organização formal, valendo-se do dos textos de sua autoria e da interlocução com o prefácio de Siegfried Giedion. Por último o trabalho se debruça sobre a recepção do livro que havia sido inicialmente concebido como um suplemento a Brazil Builds(1943) mas que se mostrou mais plural na condição de informar ao público internacional o panorama nacional entre o projeto do MESP e o concurso de Brasília.
O Pêndulo de Paulo Santos tem três objetivos. O primeiro é compreender o caráter e as nuances de seu método historiográfico que ora se aproxima da vertente canônica da arquitetura moderna brasileira, com seus sabidos vínculos a Le Corbusier, Lúcio Costa e a arquitetura-cidade-colonial e ora busca um lugar de exceção propondo uma leitura da arquitetura brasileira aberta a múltiplas filiações. O segundo é expor o historiador para além do Quatro Séculos de Arquitetura, em um leque de múltiplas atividades, da docência à participação em órgãos institucionais e à condição de empresário de grande porte na área de projeto e construção. Por fim pretende-se, como sugere o título, dissolver a ideia de um rumo linear e coerente em seu pensamento como historiador.