Última alteração: 2020-08-19
Resumo
Diversos autores nas últimas décadas têm tratado das relações entre modernidade e domesticidade, discutindo como se deram os laços entre os espaços públicos e as esferas privadas ao longo dos séculos XIX e XX (Prost&Vicent, 2009; Carvalho 2008; Nascimento et. al, 2017). Por um lado nesse período, constroem-se as dinâmicas da vida pública e urbana, vivenciadas nos espaços de produção e de trabalho, mas também de sociabilidade como nos cafés, teatros, parques, lojas, transportes em comum. Por outro, emergem os espaços interiores, privados, ligados aos desejos de privacidade e de conforto, como mostrou Charles Rice (2007). Espaços estes que serviram à consolidação de espaços gendrados e de novos papéis familiares, ligados ao consumo das ambientações domésticas e de suas normas, e, também, como práticas de representação no contexto da vida doméstica. Desde então, representação, privacidade e conforto parecem orientar os sentidos da domesticidade moderna no Ocidente (Silva&Ferreira, 2017).
Esta mesa tem como objetivo reunir pesquisas dedicadas a investigar as implicações das relações de gênero e domesticidade moderna no âmbito da cultura material, na do consumo de artefatos e espaços domésticos e na das experiências sociais de seus moradores. Nesse sentido, interessa entender como discurso, prática, experiência e memória são entrelaçados na construção dos ambientes domésticos e das identidades daqueles que o habitam, buscando superar dualismos ainda recorrentes nas análises entre público/privado, urbano/doméstico, homem/ mulher, coletivo/ individual, produção/ consumo, ativo/ passivo (Hollows, 2008; Pérez&Ribeiro, 2017).
Assim, a partir da relação entre os moradores e seus objetos, seja em espaços domésticos ordinários, seja em espaços considerados excepcionais e institucionalizados (como as casas-museus), os trabalhos propõe analisar as imbricações entre gênero e classe para refletir criticamente sobre a divisão sexuada do trabalho; a construção e naturalização de noções de feminilidades e masculinidades; a participação das mulheres como produtoras e consumidoras dos espaços do morar e das formas de produção da vida; a construção, experiência e preservação das memórias da vida doméstica.
Dessa forma, os trabalhos aqui reunidos - construídos a partir do cruzamento de perspectivas de análise e ampliação de referências teóricas da história, sociologia, antropologia e cultura material - buscam realizar uma revisão historiográfica das formas modernas de habitar, trazendo análises que compreendem a casa como uma produção material, social e mental e procuram analisá-la a partir de três dimensões intrinsecamente articuladas: a de artefato, a de campo de forças e a de representação (Meneses, 1996). Assim, discutem seus usos e apropriações pela clientela; nas práticas projetuais e de consumo; nos dispositivos de uso dos espaços domésticos em suas relações com a cidade; bem como nos discursos veiculados nos diversos tipos de mídias e ações de preservação. As análises permitem também iluminar a disseminação da arquitetura moderna e as formas de apropriação de sua linguagem e proposições espaciais pelo público em geral.