Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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Crítica radical e historiografia
Rafael Urano Frajndlich

Última alteração: 2020-08-19

Resumo


A crítica radical na arquitetura procura suspender as premissas da atividade e se aprofundar nas suas contradições. Busca dar à palavra escrita autoridade concreta de transformação da disciplina, não pela chave positiva de apontar caminhos ou expor vias de saída para dilemas de prancheta, mas pela abordagem negativa que permite dar salto dialético que enquadra a arquitetura no âmbito das grandes crises sociais do presente.

Trata-se de um movimento diferente da crítica derrogatória, cuja origem é concomitante com a própria escrita sobre arquitetura. A crítica radical sistematiza leituras negativas como criadoras de um senso histórico, e por essa razão passa inevitavelmente pelos círculos intelectuais de historiadores de arquitetura.

“Criticar significa,” segundo Manfredo Tafuri, “apreender a fragrância histórica dos fenômenos, submetê-los ao crivo de uma rigorosa avaliação, revelar as suas mistificações, valores, contradições e dialéticas íntimas, fazer explodir a sua carga de significados” . Essa enunciação feita em 1968 serviu de pedra fundamental para um caminho de pesquisas e investigações que demandou revisão de posturas esperadas do intelectual que se dedica à análise da arquitetura, posicionando-o como portador de compulsório compromisso de construção crítica.

A partir dessas contribuições circunscritas entre os anos 1960 e 1970, a profissão de historiador de arquitetura pode ter autonomia para dialogar em pé de igualdade com as humanidades e se inserir na práxis do engajamento político por meio de textos, ensaios e pesquisas. Graças a essa pretensão radical, monografias consolidadas como basilares na história da arquitetura foram feitas ao longo do final do século XX e princípio do XXI com impacto amplo no entendimento da práxis: Em busca do Renascimento (1992), de Tafuri perpassa as idiossincrasias do período e remonta ao papel da arquitetura em formalizar o nexo entre poder político terreno e racionalidade divina; Jean-Louis Cohen, ao falar da cidade de Casablanca (1998), mostra uma história outra das vanguardas, não como emancipatórias, mas como oficialmente a serviço do colonialismo francês; Giorgio Ciucci, em Os arquitetos e o fascismo (2002) faz uma ponderação semelhante acerca da arquitetura moderna na Itália totalitária. Para além de vinculações diretas com Tafuri, esse traço se difundiu de modo análogo em figuras como Gwendolyn Wright, Beatriz Colomina, Mark Wigley.

Na América Latina, história da arquitetura e crítica radical foram reforçadas tendo em vista o difícil contexto ditatorial que marcou seus países durante os anos 1960 e 1980. Autores como Jorge Liernur, Otília Arantes e Sérgio Ferro foram marcados por estilos radicais na sua busca por mostrar a imanência contraditória de intenções subversivas feitas por meio do projeto, destacando a sempre dramática relação entre política e arquitetura, sobretudo na situação limite de um estado totalitário promotor de desenvolvimentismos cinicamente ideológicos.  Essa massa crítica constitui-se como provocação para a atividade do historiador de arquitetura contemporâneo.

Entretanto, a crítica radical está ela própria em constante escrutínio de suas posições e ferramentas, o que a coloca em estreita conexão com os meandros da historiografia. A necessidade de continuamente se discutir o modo como se perfaz a busca pela radical subversão das contradições que a arquitetura impõe à contingência justifica a montagem da sessão livre que aborde “Crítica radical e historiografia”. Através de apresentações que sondam o estado da arte da discussão no país, espera-se promover a discussão entre nexos novos sobre historiografia e a crítica radical.

O primeiro trabalho investiga a primazia da palavra na caracterização da arquitetura feita por Manfredo Tafuri e na sua possibilidade de inserção no mundo real. No momento em que a digitalização do mundo suplanta a construção imagética do mundo construído, o historiador italiano colocava o protagonismo da construção crítica nas mãos dos historiadores, por serem eles os que operam com palavras na arquitetura podendo resistir à absorção pela cultura midiática de imagem.

O trabalho seguinte explora as leituras que alguns arquitetos argentinos realizaram da obra de Manfredo Tafuri no início da década de 1980, com destaque para Jorge Francisco Liernur, que após estudar em Veneza sob supervisão de Tafuri e Giorgio Ciucci integrou a chamada La Escuelita, que deu origem ao Programa de Estudios Históricos de la Construcción del Habitar (PEHCH) da Sociedad Central de Arquitectos (SCA), do qual participaram, entre outros, e além do próprio Liernur, Fernando Aliata, Anahí Ballent, Alejandro Crispiani, Mercedes Daguerre, Adrián Gorelik e Graciela Silvestri.

Ainda em torno dos temas do deslocamento e de aportes estrangeiros, o terceiro trabalho aborda a migração intelectual de Reyner Banham para os Estados Unidos da América e o duplo sentido de seu impacto: a recepção da academia americana e a absorção do historiador inglês pela paisagem local e pelo vernacular moderno.

Chegando no Brasil, o quarto trabalho desta sessão traz uma reflexão sobre as condições de elaboração de uma crítica radical realizada durante o debate sobre a crise do movimento moderno, em torno do emblemático ano de 1968, sobre o processo de modernização arquitetônica no Brasil em seu período "heróico" – entre os anos 1930 e 1960. Para tanto, discute argumentos coetâneos de Manfredo Tafuri e Henri Lefebvre, cujas recepções foram seminais. Mas qual seria a validade, para um contexto de subdesenvolvimento como o brasileiro, da crítica "ideológica" realizada por esses autores para uma conjuntura centro-européia?

O quinto trabalho examina a obra escrita de Sérgio Ferro com especial atenção à sua produção historiográfica desenvolvida na França. Se sua formulação negativa é claramente devedora teoria crítica, introduzida no círculo intelectual paulistano da década de 1960, seu método e ponto de vista são indissociáveis da experiência prática do autor como arquiteto e pintor.

O último trabalho desta sessão faz um balanço da história da crítica de arquitetura no Brasil ao longo do século XX e destaca as perspectivas individuais de Mario Pedrosa e Sérgio Ferro, que desempenharam um papel extremamente criativo na crítica arquitetônica brasileira. Ambos representam alguns dos principais esforços intelectuais para criar uma frente radical, tal como definido por Antonio Cândido.


Palavras-chave


Historiografia de arquitertura e urbanismo; Crítica radical; Manfredo Tafuri

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