Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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URBANISMO INSURGENTE E COLETIVOS URBANOS
Daniele Caron, Ana Elisia da Costa, Ana Luiza Nobre, Jorge Bassani, Rita Velloso, Flávia de Sousa Araújo

Última alteração: 2020-08-18

Resumo


A atuação dos coletivos urbanos no Brasil ganhou projeção no início do século XXI. Originalmente insurgentes, os coletivos eram contrários ao poder estabelecido, diante do enfraquecimento do estado e fortalecimento do capitalismo neoliberal que transformou a cidade em lugar privilegiado da produção-circulação de capital e a habitação em mercadoria. Opunham-se, assim, à produção urbana característica desse sistema que expunha a própria crise disciplinar do urbanismo e, ainda, a uma ordem social que impunha (e impõe) a divisão do trabalho, a separação entre espaço público e privado, e o uso do tempo em favor da produção capitalista.

Neste contexto, os coletivos se mobilizaram em busca de novas formas de organização que contemplassem direitos urbanos e humanos, retomando um “comum” (DARDOT E LAVAL, 2017). Sem vínculos partidários ou institucionais, conceitualmente, os coletivos caracterizavam-se como grupos autônomos, horizontais, cujas ações criativas (artísticas ou não) eram territorializadas a partir e no espaço urbano, empregando linguagens multidisciplinares e participativas que buscavam promover a emancipação das populações envolvidas.

Desde então, tais coletivos se multiplicaram, diversificaram, foram diluídos e, muitas vezes, capturados ou cooptados pelo sistema.  Por vezes, foram reduzidos a uma alternativa frente às restrições do mercado formal de trabalho, principalmente para novas gerações. Entre o desejado (emancipação e autonomia dos outros) e o possível (manutenção dos coletivos), registra-se a subordinação a financiamentos, limitações imersivas em realidades outras e partilha das práticas como produto de consumo. Diante disso, atenta-se para a necessidade de colocar em constante vigília as dimensões técnicas-estéticas-políticas da atuação dos coletivos, apresentando conflitos éticos nela manifestos. É momento de fazer avaliações e distinções destas práticas, como forma de reinventar modos de fazer arquitetura e cidade que rompam processos de “cercamento” operados pelo sistema capitalista (FEDERICI, 2017) e permitam a criação de táticas, estratégias e instrumentos que ampliem o direito à cidade e à vida para os cidadãos.

A discussão sobre a atuação destes coletivos no território e o mapeamento/reflexão de metodologias de estudo sobre a cidade decorrentes/correlatas/subordinadas a tal processo é o objetivo da sessão. Ao assumirmos esta tarefa, também é objeto de discussão entender o próprio projeto - aberto, inacabado e derivante - como dispositivo de interlocução para a construção de outras realidades nas cidades e no território, que ajustem melhor as relações humanas em torno do viver comum.

Para atingir estes objetivos, alguns questionamentos orientam os trabalhos a serem apresentados na sessão - Como as insurgências instauram e ativam territórios outros? Como as experiências constituídas pelos coletivos urbanos convocam práticas projetuais mais focadas nos processos e conscientes das indeterminações inerentes ao urbano na contemporaneidade? Que modos de atuação profissional – estratégias, técnicas, instrumentos, posicionamentos - são convocados ao urbanista e arquiteto neste contexto? Que conceitos e discussões extraídos de áreas afins - arte, filosofia, geografia, literatura ou antropologia - podem contribuir para a prática e reflexão projetual dos coletivos urbanos?

Guiados por estes questionamentos, são apresentados casos empíricos e reflexões teóricas que desestabilizam, acadêmica e profissionalmente, a disciplina urbanística, no sentido de ampliar a ação e reflexão de arquitetos e urbanistas a respeito da indissociabilidade entre técnica, ética e política. Em “Quando elas rasuram a Cidade do Pensamento Único no novo milênio” se discute como coletivos de conteúdo feminista se organizam e rasuram a cidade delimitada pelo patriarcado. O enfrentamento da polaridade heteronormativa se dá pela grafia de táticas político-artísticas que reivindicam os direitos sobre o próprio corpo e à cidade, ocupando o espaço público e reivindicando a permanência na paisagem urbana. Em “Das intervenções artísticas à ação política urbana”, propõe-se uma genealogia dos coletivos urbanos, a partir das ideias libertárias dos anos 1960 e das crises dos 70, como base para entender a explosão do fenômeno nos anos 2000 para, a partir daí, aventar perspectivas críticas e analíticas de discursos e práticas muito distintas. Em “Re-existir: práticas narrativas de emancipação” é discutida a potência da narrativa para ativar processos emancipatórios dos sujeitos que lutam pelo reconhecimento de sua existência e cidadania, rompendo com as discursividades dominantes que alicerçam o planejamento urbano como instrumento do sistema neoliberal. O artigo “Cá e lá – um lugar-outro dos coletivos estrangeiros no Brasil” problematiza a produção de documentários por parcerias entre coletivos estrangeiros e locais, focando numa possível contradição estético-política entre uma prática familiarizada e uma estranha, entre a apresentação e o debate de uma realidade e sua espetacularização. Em "Além do urbanismo: do chão ao comum", levantam-se questões derivadas da análise de práticas e projetos urbanos recentes que tomam o chão como aquilo que é fundamentalmente comum, base da atuação e construção política da coletividade hoje. No artigo “Arquiteturas da Insurreição”, são discutidas as apropriações contemporâneas da desobediência aos moldes do projeto para os lugares e, para demonstrá-las, analisam-se as insurreições como arquitetura, isto é, quando a arquitetura interpreta e faz repercutir em seus próprios processos a insurreição como instância de criação de formas de experiência do espaço e de subjetividades.

É fundamental ressaltar que, ao abrir diálogos, reflexões e críticas a respeito da relação entre coletivos urbanos e possibilidades de um urbanismo insurgente, busca-se cartografar implicações e potências num fluxo contínuo e, acima de tudo, vigilante aos processos de apropriação conceitual e metodológicos permanentemente instaurados pelo sistema capitalista neoliberal.

REFERÊNCIAS

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum:ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Ed. Boitempo, 2017.

FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva.São Paulo: Elefante, 2017.


Palavras-chave


Urbanismo, Coletivos urbanos; Insurgências

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