Última alteração: 2020-08-18
Resumo
As pesquisas sobre favelas aqui reunidas buscam conduzir a uma releitura de práticas e ações em territórios de favelas considerando a exclusão/inclusão, como lados inversos de uma mesma questão. Quem exclui? por que exclui? o que exclui? Focar inicialmente na exclusão remete à possibilidade de desenvolver um pensamento invertido, e demonstrar a potencialidade e a capacidade de inovar de populações, consideradas excluídas, na reprodução dos modos de vida. Dessa inversão decorre a ideia de um Urbanismo Inclusivo, ou a proposta de dar a vez a dimensões inovadoras e inventivas que ocorrem nesses territórios, em geral recolhidas a um segundo plano em relação ao discurso sobre a precarização, fundamentado na lógica da carência. Com isto não pretendemos escapar do enfrentamento às desigualdades evidenciadas nesse espaço, mas sim realçar a necessidade de melhor compreender dinâmicas e práticas originais que permitem uma nova atuação e demanda de direitos, a partir, e nesse território.
As cidades pelo mundo afora tendem a tratar os locais das favelas como áreas excludentes, conflituosas e depositárias de problemas das mais diversas ordens. De fato, as áreas de favela são em geral vistas por sua condição de urbanização precária, más condições de habitabilidade e infraestrutura, à margem das leis urbanísticas, onde camadas de baixa renda se instalaram em busca de melhores localizações. Elas são também identificadas como locais de vulnerabilidade e insegurança devido à forte presença e atuação de grupos criminosos, ligados ao narcotráfico e às milícias. Desta forma, a sociedade, em geral, as considera como um lugar que não “pertence” ou “não faz parte da cidade” porque nelas predominam diversas informalidades, que vão de encontro ao mundo supostamente organizado das áreas urbanas enquadradas na formalidade.
A noção de um Urbanismo Inclusivo tem o objetivo de atuar no reconhecimento de saberes no território das favelas, os quais sistematizados possam gerar insumos para um novo olhar acerca das políticas públicas não só em favelas, mas em territórios populares em geral. Neste caso, o território das favelas é compreendido como produtor de potentes dinâmicas socioespaciais, embora situado em áreas ditas de periferia, carentes de uma gama de serviços essenciais, e vulneráveis do ponto de vista social e político.
Após um conjunto consistente de programas e intervenções de urbanização em favelas nos últimos anos, vemos como um momento ímpar a oportunidade de reunir novas ações e projetos que associam pesquisa e extensão em áreas de favelas. Cabe ressaltar o papel das pesquisas acadêmicas ao responder à demanda de entidades comunitárias organizadas que buscam apoio técnico e político da universidade para implementar ações locais de caráter urbanístico, ou para instrumentalizar e tornar viáveis reivindicações ao poder público. As ações de pesquisa e extensão oriundas da atuação universitária, e presentes em alguns dos trabalhos aqui apresentados, refletem o compromisso de estender à sociedade o conhecimento nelas produzido.
Reúnem-se nesta sessão livre pesquisadores em áreas de favela no Brasil e na Colômbia para promoverem um debate profícuo com o propósito de evidenciar e sobrepor dimensões, por vezes negligenciadas, porém, reveladoras de estratégias inovadoras e inventivas desses territórios.
Agrupamos pesquisas que trabalham na dimensão teórico-prática com questões pertinentes à vulnerabilidade socioambiental concernente às condições de vida dos moradores; à mobilidade urbana como direito que dá acesso a outros direitos, à geração de economia solidária e geração de emprego e renda com foco no turismo de base comunitária, a acentuada interface com áreas de fragilidade ambiental, de habitação e melhorias habitacionais com foco na troca de saberes relativos a processos construtivos.
O trabalho“A outra Maré, pela voz dos moradores” foca nas narrativas dos moradores da Favela da Maré, no Rio de Janeiro, como um ponto de partida metodológico para um debate sobre a potencialidade local, território popular que sofre todo tipo de intervenção, mas pouco ouvido e muito hostilizado. Defende o argumento do poder da fala, e centra a análise nos depoimentos e observações dos moradores, ferramenta capaz de revelar ações afirmativas, porém, desconhecidas de uma outra Maré.
“Território Inventivo” é um programa de ação que toma a Favela da Maré como exemplo. Busca apresentar um quadro de ferramentas teóricas e metodológicas para a produção de propostas urbanísticas a partir das favelas e território populares, visando a superação de dinâmicas de invisibilização e estigmatização dos territórios das favelas, presente na relações de poder na cidade.
O Trabalho “Ilhas de Calor Urbanas na Comunidade”chama atenção para a sua formação em áreas super adensadas. Fundamentam-se na noção de ciência sensível que estabelece diálogo maior com a sociedade e o envolvimento com moradores. Visam identificar variações da temperatura intraurbana, usando uma microestação meteorológica de baixo-custo, criada a partir da ideia do faça você mesmo (DIY), da tecnologia de dados abertos e do compartilhamento de dados através de uma plataforma Internet das Coisas (IoT).
A discussão sobre “Mobilidade e Favela no Rio de Janeiro” parte do entendimento de que mover-se entre lugares pode ser uma fonte de poder ou status social, e expressão de um direito, ou exclusão, no caso de sua restrição. O trabalho sobre acessibilidade às favelas no Rio de Janeiro busca propor uma metodologia para análise e mapeamento dos locais e das formas de acesso entre as favelas e o transporte.
Em “Espaços públicos em favelas do Rio de Janeiro e bairros populares de Medellín” a discussão se norteia a partir de como as políticas de segurança e infraestrutura no Rio de Janeiro e Medellín mostram semelhanças e a importância para o turismo nas áreas estudadas. Compartilham o fato de que o turismo está sendo aproveitado para o crescimento económico, nem sempre observando o verdadeiro impacto em suas populações.
“Práticas de morar em Macapá”apresenta a experiência de moradores de Macapá que habitam áreas de ressaca. O estudo ilustra a complexidade do embate entre regularidade e irregularidade de moradias situadas em áreas urbanas aterradas, originalmente áreas de ressaca, possuidoras de um ecossistema peculiar, apontando as incoerências e contradições das práticas de moradias, tanto pelo lado do poder público como dos próprios moradores.