Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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Ecologia Urbana: Enfoques Contemporâneos
James S Miyamoto

Última alteração: 2020-08-19

Resumo


Até recentemente, era consensual que o planeta vivia o período Quaternário, da era Cenozóica, da época do Holoceno. Em 2000, Eugene Stoermer e Paul Crutzen cunharam o termo Antropoceno para definir o atual momento. A expressão pretende simbolizar a força, a abrangência e o impacto da ação humana na Terra. De fato, há uma infinidade de fatos e conquistas positivas notáveis de responsabilidade do ser humano. Porém, o vertiginoso crescimento populacional e novos e grandiosos fluxos de matéria, energia e informação, além de inovadoras tecnologias, procedimentos, comportamentos etc., alteraram ciclos biogeoquímicos, lançaram gases de efeito estufa de forma vertiginosa, contaminaram efluentes, produziram resíduos, em escala jamais presenciada, ameaçaram a biodiversidade etc., em muitos casos, de maneira irreversível.

De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC), desde os tempos pré-industriais, a temperatura da Terra elevou-se em média cerca de 1oC, com efeitos que se darão de forma persistente pelos próximos séculos ou milênios. Atualmente, o aumento médio da temperatura tem sido de 0,2oC por década, a partir do que se conclui que, em pouquíssimas décadas, entre 2030 e 2052, a elevação terá atingido alarmantes 1,5oC acima do nível referencial. A atribuição de responsabilidade por estas mudanças climáticas recai diretamente sobre o ser humano, suas ações e comportamentos. Vale lembrar que a cidade, - provavelmente, sua obra mais evidente, - concentra grande parte das causas e consequências das alterações ambientais e, possivelmente, das mudanças climáticas.

Mesmo que se reconheçam que os ecossistemas urbanos são, em essência, instáveis, se evidencia, cada vez mais intensamente, um inédito estado de desequilíbrio que denota choques e polarizações quase onipresentes e extremas e que exigem postura científica crítica e ações práticas. Talvez seja esta a tônica do que se entende como “urbanismo ecológico”. Um campo disciplinar que lida com processos que buscam reunir teorias e pragmatismos com identidades sociais, ambientais e subjetivas, através de valores mais igualitários, inclusivos e sustentáveis, de forma antecipatória, adaptativa e curativa.

O tema “Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo”, proposto para o Encontro Nacional da ANPARQ, é extremamente oportuno no âmbito da ecologia urbana, pois atrai interesse para situações em assertividades, tensionamentos ou transições sociais, econômicas e ambientais, particularmente, no contexto das cidades. Mesmo não sendo um pioneiro, Frederic Clements (1874-1945), biólogo americano, definiu, na primeira metade do século XX, ecologia como “predominantemente, a ciência das comunidades populacionais” e observava sua essência dinâmica. Assim, o interesse por biomas trouxe, naturalmente, a curiosidade científica por “fronteiras e bordas” (KARK, 2013, p.149), em suas abrangências e diversidades biológicas. Hoje, outros temas, que extrapolam exclusivamente as ciências naturais, se apresentam.

Como toda questão atinente aos sistemas complexos, o campo ecológico deve ser reconhecido como um processo – ou um enredamento de processos, - e não um fim em si mesmo. Derivam desse pensamento algumas premissas importantes. A primeira é que natureza e seres humanos não podem estar em trincheiras adversárias, - mesmo com todo o perigo de eufemismos cínicos associados à essa afirmação. A segunda é que “as cidades, precisamente devido às densidades e diversidades de suas populações humanas, são também lugares onde as soluções devem ser desenvolvidas” (Niemelä, 2011). Também é consensual que não parece haver muitos lugares no planeta que não sofram (ou tenham sofrido) consequências de cunho antrópico, por isso o olhar sistêmico é necessário.

A presente Sessão Livre será composta de experientes docentes e pesquisadores de universidades do âmbito público e privado, com vivências acadêmicas e profissionais diversas. A variedade de assuntos e as escalas de análise de cunho ecossistêmico trazem riqueza de informação e oportunidade de debates intensos.

A Professora Marina Correia, com o trabalho Urbanismo Ecológico na América Latina, traz alguns projetos e debates teóricos recentemente apresentados em publicação homônima, - uma iniciativa da Harvard University Graduate School of Design, - que entende o projeto como uma síntese capaz de conectar a ecologia e o urbanismo. O desafio de integrar as consequências de um processo de modernização frágil ao desenvolvimento de novas estratégias projetuais, capazes de contribuir para um ambiente urbano mais igualitário e sustentável, será apresentado a partir de alguns projetos, que serão analisados em função de sete conceitos chave: antecipar, curar, colaborar, mobilizar, incluir, adaptar e sentir.

O Professor José Almir Farias e a Professora Angélica A. Tanus Benatti Alvim, autores de A Difícil Arte de Experimentação Ético-Estética do Urbanismo Ecológico, reconhecem que o “urbanismo ecológico”, segundo o conceito proposto por Mostafavi e Doherty (2014), é uma abordagem, com capacidade para incorporar ecologia e o urbanismo, que sugere três possíveis direções de pesquisa: a compreensão de sua evolução ético-estética; o conhecimento da ação humana em ecologia; e o aprendizado reflexivo através da prática. Aqui, a ênfase será em abordar a primeira direção, admitindo que a ética e a estética convergem para uma ecologia que inspira um urbanismo socialmente mais inclusivo e mais sensível ao meio ambiente.

O Professor José Ripper Kós e Ricardo De Geroni desenvolvem a temática A Água como Fator de Resilência: Uma Narrativa para as Águas Urbanas. O trabalho alinha-se à insurgência da ecologia como ciência da complexidade, associada às acomodações de visões de mundo para preservar os comuns, estruturando uma forma de antropocentrismo reflexivo, flexível o suficiente para acomodar o impulso normativo da preocupação ecocêntrica em proteger os interesses do mundo não humano. A pesquisa tem como base a organização da percepção e representação de identidades de sistemas sócioecológicos, com foco nos diferentes usos da água pelas sociedades urbanas, e suas implicações nas formas em que são materialmente mediadas através das condições biofísicas do ambiente natural.

A Professora Eugenia Aumond Kuhn, autora de Metabolismo Urbano e Leis de Escala em Cidades, define o “metabolism urbano” como “a soma total dos processos técnicos e socioeconômicos que ocorrem nas cidades, resultando em crescimento, produção de energia e eliminação de resíduos”. A partir dessa premissa, a apresentação objetiva expor os resultados parciais de uma pesquisa, que utiliza as leis de escala alométrica, para compreender padrões metabólicos de um conjunto de cidades do estado do Rio Grande do Sul. Para tanto, relacionam-se dados de fluxos de materiais com outras variáveis urbanas, tais como população e PIB.

O Professor José Júlio Lima, através da pesquisa Planos Diretores e Meio Ambiente nas Cidades Amazônicas, entende que o debate sobre o planejamento urbano e o meio ambiente se torna indispensável, nestes conturbados e polêmicos tempos sobre os impactos das mudanças climáticas, das dificuldades em garantir a integridade da floresta e das comunidades que dela dependem e, principalmente, no frágil equilíbrio entre o rural e o urbano na Amazônia, frente as ameaças do mercado de commodities.

O Professor James Miyamoto, autor de Ecótonos Urbanos: Categorizações, propõe aprofundar o conceito de “ecótono urbano” e trazer uma proposta de categorização atinente ao campo disciplinar como, por exemplo: i) a contiguidade antagônica de ações antrópicas nos ambientes naturais, com danos a matas, rios, mares etc.; ii) instrumentos legislativos que incentivam distanciamentos sociais e econômicos e que acabam por produzir menor diversidade e vitalidade urbana; iii) opções tipológicas, como condomínios privados, que segregam e apartam comunidades e o restante da cidade; iv) desterritorializações vividas por refugiados, comumente, implicam em naturais dificuldades inerentes à diáspora, além de atritos, com as consequentes reterritorializações, em meio social ou subjetivo refratário ou resistente.

Palavras-chave


urbanismo ecológico; ecossistemas urbanos; limiaridades urbanas

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