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Habitar em Devir: Outras Moradas
Última alteração: 2020-08-19
Resumo
O habitar, historicamente, pressupõe efetivações, confirmações, construções e desenvolvimento de hábitos que implicam em moradas algumas delas estáveis, outras instáveis, por vezes provisórias, um estar-em e um junto-de capazes de criar vínculos e instituir uma intimidade, ao mesmo tempo que reforçam a noção de lugar, de morada do ser. A ação de habitar algo, estar em, junto de ou com alguém implica processos de individuação e de compartilhamentos e coletivismo em modos de existência que podem ser reconhecidos como tradicionais, convencionais, universais, mas também singulares, inauditos, por vezes.Contudo, se a ideia de habitar em geral tem sido vinculada à noção de estabilidade, a um previsível topos, de relações estáveis e normalizadas, interessa-nos pensar o habitar como um movimento heterotópico. Ou seja, reconhecer singularidades no que se considera universal; auto-codificações ou sobreposição de códigos e tempos, lógicas, normas que sustentam hábitos e modos de existência não convencionais, não tradicionais, muitas vezes estranhos, desajustados, profanos, fora dos “padrões” considerados adequados ao habitar e sua interiorização, frequentemente confrontada por sua própria história.“Habitar em Devir: Novas moradas” apresenta uma compreensão alargada do que se denomina morada. O contato entre os textos só pode existir pela separação que os define. Através da separação, e graças a ela, aproximações e ressonâncias entre eles podem ser perscrutadas, emuladas. Um responsável contato na bem-vinda diferença de conceituação em torno de um conceito.A Sessão livre aqui proposta reúne seis pesquisadores, de três instituições distintas, organizados a partir de cinco textos, um deles escrito em co-autoria. Nos dois primeiros textos a morada em questão vislumbra os desafios de nossa casa planetária, a Terra. No primeiro, aponta para uma desejável atenção ao tempo, para além do “eterno presente”, como aspecto norteador de uma necessária revisão nos termos com os quais temos incidido sobre nossa forma de viver, e consequentemente, sobre nossa forma de habitar. Sublinha, também, as incompatibilidades lógica e ética entre os fundamentos epistemológicos da arquitetura e do urbanismo e as maneiras de lidar com o tempo na sociedade de consumo de massa, integrada, em real time, pelas tecnologias de informação digital, na era do “turbocapitalismo”. No segundo, a compreensão da interdependência sistêmica entre os lugares, do descuido com os princípios ambientais necessários à vida, do desafio de revisão dos modos de instalação e governança do território. A morada, nesse caso, diz respeito a uma redefinição de um pacto amplo a favor de todos nesse planeta. Diante do pouco provável, aguarda os resultados dos ensaios ultraliberais de desconexão do sistema, e das ações de resistência e reconfiguração da morada por nós já habitada.Os dois textos seguintes, um deles, em co-autoria, como mencionado, atêm-se a moradia no centro de duas cidades brasileiras: Vitória (ES) e São Paulo (SP). Cidades bastante distintas em suas características desde a geografia até aspectos histórico, sociais e culturais de suas constituições que, entretanto, hoje têm em comum e, como desafio eminente, o de reconhecer as ocupações e estratégias de moradia auto promovidas como alternativa a crescente deteriorização dos centros urbanos em nosso país. Revela convergência de lutas em um processo que requer autonomia e apropriação popular e que vem se tornando fenômeno potente na constituição de outras formas de habitar. Moradia aqui, portanto, tratada em dimensão também, necessariamente, da luta corriqueira e cotidiana por se instaurar no lugar. Circunstanciado por desafios locais, abrigado na Luta coletiva brasileira de resistir para existir com dignidade e sociabilidades desejáveis e pertinentes. Uma convergência de lutas com intuito de converte-se num aprendizado mútuo e necessário para ativar outro modos de viver e se reconhecer nos lugares próximos.O último texto se volta aos termos amplos de constituição do pensamento em curso, des-locando-o de modo a redefinir o que denominamos por morada. Aqui, morada, diferentemente da moradia, torna-se meio de reinscrição de um socius por intermédio de uma ação política desregulamentada e desregulamentadora, porém legítima como ação instituidora de um direito. Trata-se de um instante desajustado, disjuntivo, capaz de fundar um espaço extra-social, além ou fora do socius reconhecido, mas essencial a um devir social.Em síntese, tendo a morada como leitmotiv, partimos do reconhecimento de transbordamentos sociais, temporais, ambientais na atualidade para a construção de uma ampla ação reflexiva acerca dos desmatamentos e florescimentos sociais possíveis engendrados e agudizados por uma ação criadora imprevista ligada ao morar, a um estar efetivo no mundo, forjado nas dobras de um tecido social esgarçado ou rompido. Novos acordos sociais discordantes emergem dessas dobras. Na reunião desses textos e dos diálogos cruzados entre eles, outros sentidos se abrem ao lado e na confluência da arte, da filosofia, da literatura, da técnica. Se uma inegável perspectiva de fim dos tempos se instala na ilusão de uma modernidade excessiva e, por isso, esgotada, são pelos seus fragmentos e ruínas que emergem outras possibilidades do telos do “homem”, da humanidade e da vida em sociedade.Se, as coisas já parecem traçadas independentemente de nós, definindo o que nos é próprio e nossos limites, cabe destacar que estamos apontando, ainda que de forma corolária, que novas reflexões deverão redefinir o papel social da arquitetura e do urbanismo e, por conseguinte, as estratégias para o seu ensino.
Palavras-chave
Morada;Ocupações;Temporalidades;Heterotopia;Resistência;Restância
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