Portal de Conferências da UnB, VI Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

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INVESTIGANDO INSURGÊNCIA NAS ABORDAGENS DE PLANEJAMENTO E PROJETO URBANO
maria carolina maziviero

Última alteração: 2020-08-19

Resumo


Esta Sessão Livre dedica-se ao debate dos desdobramentos dos novos arranjos sociotécnicos [coletivos, ativistas, agentes comunitários, etc.] do primeiro quartel do século XXI nos processos e práticas vigentes em Arquitetura e Urbanismo, e em Planejamento Urbano. Diante das formas renovadas de produção de desigualdades, de problemas econômicos com expressão nas cidades, da associação entre forças autoritárias e dinâmicas de expropriação da vida (MBEMBE, 2016), parece imprescindível buscar compreender como a inteligência coletiva tem sido reativada por um conjunto de práticas de inovação democrática em que cidadãs e cidadãos tem forjado outros saberes e modos de existência na cidade. Esses novos arranjos tem mobilizado politicamente a noção de Comum [commons] tanto em resistência aos cercamentos, privatizações e despossessões associados ao capitalismo neoliberal, quanto em experiências de construção de espaços cooperados e autônomos (HARDT & NEGRI, 2018). A ideia de Comum implica a participação ativa e a prática direta, ou seja, é a atividade que propicia a existência do comum e o ampara em sua duração, e não a característica prévia do lugar – público ou privado. Pressupõe a gestão direta, de acordo com regras de vários níveis estabelecidas anteriormente entre os parceiros que participam do comum [commoners] e, neste sentido, coloca em xeque não só a ideia de propriedade [da terra, intelectual, etc.], mas também a de espaço público, na medida em que este pressupõe uma tutela externa aos participantes [do Estado] (DARDOT & LAVAL, 2017). Há uma série de espaços sendo apropriados dentro dessa perspectiva, sejam eles em territórios populares ou em áreas nobres de grandes cidades.

Essa expressão renovada das lutas contemporâneas parte também da reivindicação pelo direito, mobilizadas pelo desejo coletivo de fazer cidade e, mais, de reinventá-la. Criam-se possibilidades de forjar e sustentar outros mundos. Transita, portanto, na liminaridade entre a utopia e a emergência. Lefebvre (1999) compreende o pensamento utopiano como “utopia concreta”, que cria condições para a experimentação e a transformação do/no cotidiano, ou seja, a possibilidade do impossível no possível (LIMONAD, 2016). Aprofundar a compreensão a respeito das práticas, dos processos e dos agentes de produção e apropriação da cidade significa reconhecer a vida urbana associativa e insurgente como aquela que impulsiona a vida pública institucional. Deste modo, é fundamental que os estudos urbanos apreendam tais experiências espaciais cotidianas como um método situado na manutenção da vida.

Percebe-se que, para além do espaço disciplinar já concebido e estabelecido, há saberes que são elaborados na experiência partilhada de produzir um espaço em comum, portanto enraizado nessas ações coletivas. Essa interrelação entre a reprodução do cotidiano e da totalidade, da ordem próxima e da ordem distante, conduz inevitavelmente ao confronto de distintas práticas espaciais, do concebido frente ao vivido. Esse saber-fazer habitar, onde uma certa produção do comum pode emergir, tensiona sobretudo o papel do profissional Arquiteto Urbanista, tanto em termos da busca de novas formas de projetar [participativas] quanto dos atravessamentos temáticos, das relações de poder e das categorias identificadas em contextos individuais e arranjos coletivos, que mobilizam a ação no/sobre o urbano no presente.

Assim, a discussão proposta articula um conjunto de processos e práticas apresentados e debatidos sob a perspectiva das estratégias e ferramentas para análise e proporsição sobre a realidade, desenvolvidas com vistas a contribuições para o projeto e o planejamento urbano, que inclui: (1) um paralelo entre insurgências e políticas municipais em São Paulo, com objetivo de fornecer um panorama sobre o tema nas primeiras décadas do século XXI na cidade, utilizando cinco elementos para condução da análise: tempo, narrativas, escala espacial, questionamentos e conceitos (MARINO, 2020); (2) uma reflexão sobre as disputas pelo direito à cidade em São Paulo, sobretudo quanto as reapropriações das infraestruturas e recursos do espaço urbano, absorvido em um repertório de ação (COLOSSO, 2020); (3) a investigação das noções conceituais que fundamentam as práticas de inventário participativo, considerando o alargamento da noção de patrimônio que inclui referências de expressão cotidiana, bem como narrativas não oficiais entre os bens culturais com interesse de preservação (DE ALMEIDA, 2020); (4) a reflexão e investigação crítica em torno da melhoria dos processos de design em colaboração com comunidades de baixa renda, a fim de gerar protocolos, diretrizes e técnicas que reflitam os processos de coprodução nas cidades e comunidades brasileiras (ROSA, 2020); e (5) uma análise sobre as insurgências em Curitiba, quanto as suas potencialidades e limites dos processos de coprodução urbana e com relação a sua incidência na elaboração de políticas públicas (MAZIVIERO, 2020).

A partir dessa reflexão pretende-se aqui investigar sobre os caminhos para a concepção de práticas e processos – em especial no campo de atuação do planejamento e do projeto urbano, que partam da vida cotidiana, da práxis e do envolvimento dos cidadãos na criação de soluções mais justas e adequadas as suas realidades. Nesse percurso, debater estratégias e ferramentas mais eficazes para reconhecer os saberes e práticas populares materializadas no território, de modo a estabelecer alianças e ações entre moradores e profissionais numa lógica de rede, é fundamental como método para projetar e pensar a cidade contemporaneamente. Trata-se ainda de vislumbrar uma reflexão crítica sobre o papel do Arquiteto Urbanista, frente a novos formatos de participação na produção da cidade e da arquitetura.

REFERÊNCIAS

DARDOT, P.; LAVAL, C. . Comum: ensaio para revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017.

HARDT, M; NEGRI, A. Assembly: a Organização Multitudinária do Comum. São Paulo: ed. Politeia, 2018.

LEFEBVRE, Henri.  A revolução urbana. 1ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

LIMONAD, Ester. “Utopias urbanas sonhos ou pesadelos? Cortando as cabeças da Hidra de Lerna”. In. Anais Colóquio Internacional de Geocrítica, 14., 2016, Barcelona: Universitat de Barcelona, 2016.

MBEMBE, A.. “Necropolítica”. In: Revista do PPGAV/EBA/UFRJ. N. 32. P. 124-151, 2016.


Palavras-chave


Práticas urbanas insurgentes; Urbanismo Insurgente; Processos Projetuais; Vida Cotidiana; Ativismo Urbano

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