Portal de Conferências da UnB, VI Mostra de Trabalhos de Conclusão de Curso de Enfermagem

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A INVISIBILIDADE DA SAÚDE DO HOMEM NA ATENÇÃO BÁSICA.
Shirley Lopes Pereira, Dirce Bellezi Guilhem

Última alteração: 2017-07-27

Resumo


INTRODUÇÃO: A concepção de gênero deve abranger a ideia de espectro ao invés de dois conjuntos de ideais opostos. O estereótipo masculino, com valores e crenças que está cristalizado na cultura sobre o que é ser homem, conhecido como masculinidade, encontra-se atualmente em transformação. Ainda assim, continua a influenciar de forma decisiva o posicionamento dos homens e das próprias mulheres, o que contribui para evitar o contato com os espaços de saúde, orgulhando-se do ideal masculino de seres invulneráveis. Os tempos mudaram e o sistema de saúde deu-se conta de que o modelo básico que prioriza a atenção aos quatro grupos populacionais considerados até então mais frágeis – crianças, adolescentes, mulheres e idosos – não é suficiente para tornar o país mais saudável (POZZATI et al, 2013; AGUIAR; SANTANA; SANTANA, 2016; ADAMY et al, 2015; BRASIL, 2009). O movimento feminista expôs as feridas provocadas pela masculinidade, enfatizando que os homens são tão vítimas quanto as mulheres. Masculinidade pode ser definida como a interação entre a posição que o homem ocupa nas relações de gênero, as práticas pelas quais homens e mulheres se comprometem com essa posição, e os efeitos dessas práticas na experiência corporal, na personalidade e na cultura (SEPARAVICH; CANESQUI, 2013; SCHRAIBER, 2010; ALVARENGA et al, 2012). De forma diferenciada, o conhecido modelo patriarcal assume outra postura. A masculinidade hegemônica, que se refere às características que advém da concepção de hegemonia, definindo-a como uma configuração relacional das práticas de gênero que são pré-estabelecidas e aceitas socialmente, construindo, estabelecendo e assegurando as polaridades de dominantes e dominados. É um modelo cultural ideal que por meio de um modelo exemplar, orienta práticas e perpetua práticas ideológicas contribuindo para o exercício de controle de poder não apenas dos homens sobre as mulheres, mas também, entre os próprios homens, o que encobre, assim, a construção sociocultural das hierarquias de gênero e submasculidades (SEPARAVICH; CANESQUI, 2013; BRITO; SANTOS, 2014; SCHRAIBER, 2010). O termo sexo reserva-se às características biológicas predeterminadas, relativamente invariáveis, do homem e da mulher, enquanto que o termo gênero é utilizado para assinalar as características socialmente construídas que constituem a definição do masculino e do feminino, em diferentes culturas (POZZATI et al, 2013; PEREIRA; NERY, 2014; ALVARENGA et al, 2012). No entanto, essas relações não são fixas e expressam-se por meio da disputa entre grupos. As masculinidades exercidas entre os homens exigem reprodução contínua do modelo entre seus iguais e deve ser retificadas por eles continuamente. Esses sentidos culturais revestem a masculinidade hegemônica de um caráter deletério não apenas para as mulheres, quando a agressividade se revela como violência intergenérica, mas para os próprios homens, quando tais paradigmas lhes desautorizam a expressar sentimentos e atos, como amor, dor, fidelidade e autocuidado (MACHIN et al, 2011). Essa concepção rígida exige a necessidade de sensibilização dessa parcela da população, a masculina, que concentra o maior índice de não adesão às estratégias implementadas pelos serviços de saúde, sendo que esse comportamento é modulado por questões socioculturais que se encontram em transformação. Por outro lado, busca-se modificar a percepção masculina sobre os cuidados com a própria saúde e com a saúde de seus familiares (MOURA et al, 2014; POZZATI et al, 2013). Para o enfrentamento das necessidades de atenção à saúde masculina, o Ministério da Saúde lançou no ano de 2009 a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) – instituída pela Portaria nº 1.944 e que foi desenvolvida em parceria com diferentes entidades. Foi formulada com o objetivo de alavancar uma mobilização inclusiva em saúde, considerando as questões de gênero. Essa política tem como um de seus principais objetivos promover ações em saúde que contribuam significativamente para a compreensão da realidade singular masculina nos seus diversos contextos socioculturais e político-econômicos, possibilitando o aumento da expectativa de vida e a redução dos índices de morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis nessa população (SANTANA et al, 2011; PEREIRA; NERY, 2014). A PNAISH está alinhada com a Política Nacional de Atenção Básica, a porta de entrada do SUS, privilegiando a Estratégia de Saúde da Família. Deve observar a perspectiva relacional, uma vez que envolve as dinâmicas de casal/família e demanda articulação direta com as políticas de saúde da mulher, criança e idoso (BRASIL, 2009; ALBUQUERQUE et al, 2014; AGUIAR; SANTANA; SANTANA, 2016). A complexidade que envolve as políticas públicas – que nesse contexto, são entendidas como meios de ação do Estado, orientados por determinados objetivos, refletindo ou traduzindo um jogo de interesses – consideram ainda, a existência de múltiplos elementos em ação, como intencionalidade, instrumentalidade, interação, poder e temporalidade. Assim, a definição dos problemas que são alvos da ação do Estado evoluem por meio de sucessivas ondas de tomadas de decisão dado que diferentes atores (grupos sociais entidades, instituições e, também, organismos internacionais) são inseridos nos processos de definição, implementação e acompanhamento das políticas que se constituem sempre como procedimentos multifacetados, disputados e negociados (COUTO, 2012). No período compreendido entre a implantação da política e a avaliação das ações iniciais, em 2012, pode-se observar alguns fatores de adesão dos serviços à nova política, porém com a persistência de lacunas que necessitavam de adequações para que a PNAISH estivesse em conformidade com seus princípios e diretrizes (MOURA et al, 2012). A partir dessas constatações, foram originados dois objetivos diferentes: 1) identificar as estratégias de fortalecimento e avaliar o impacto das intervenções das equipes de Atenção Básica (AB), em especial da ESF, na implementação das ações em saúde do homem, e 2) produzir evidências, a partir da perspectiva de gênero, sobre dados de mortalidade e morbidade, em geral, e de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Essas informações buscavam subsidiar a compreensão da realidade encontrada e contribuir para a formulação de ações estratégicas tanto para o fortalecimento do programa quanto para o aperfeiçoamento do planejamento para organização dos serviços (MOURA et al, 2012). Considerando-se a complexidade que envolve a implementação da PNAISH, este trabalho tem como objetivo analisar e descrever por meio da literatura científica as especificidades relacionadas à atenção à saúde dos homens no âmbito da Atenção Básica de Saúde (ABS). OBJETIVO: Espera-se com isso, compreender os fatores que orientam o comportamento dos homens, as estratégias adotadas pelos serviços e profissionais de saúde à luz da plasticidade da questão de gênero, da concepção dos gestores e dos mecanismos utilizados pelos serviços de saúde para colocar em prática a atenção da saúde do homem. METODOLOGIA: Este trabalho adotou como metodologia a revisão integrativa da literatura.Trata-se de estudo com coleta de dados realizada a partir de fontes secundárias de informação, por meio de levantamento bibliográfico, tendo sido respeitadas as seguintes etapas: identificação do tema e escolha da pergunta de pesquisa; definição dos descritores e dos critérios de inclusão e exclusão dos estudos; seleção da amostra; construção de um quadro para organização e registro dos dados; análise e discussão dos resultados. A coleta de dados ocorreu no período de janeiro a março de 2017. A perquisição foi realizada nas seguintes base de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System online (Medline), Scientific Electronic Library Online (SciELO); Base de Dados Nacionais da Enfermagem (BDENF). A busca na literatura foi elaborada utilizando-se os descritores controlados oriundos dos Descritores das Ciências da Saúde (DeCS).Para a seleção das publicações foram estabelecidos critérios de inclusão dos artigos: terem sido publicados em português, inglês e espanhol; elaborados por autores brasileiros no período de 2006-2016, estarem disponíveis na íntegra, que abordassem o objeto do estudo e que respondam à pergunta norteadora da pesquisa que foi definida como: Os serviços de atenção básica estão preparados para implementar as ações relacionadas à saúde do homem? Excluíram-se artigos que tivessem temática envolvendo medicalização, sexualidade, doenças específicas e grupos etários específicos. Os artigos foram classificados segundo o nível de evidência, utilizando a classificação de Melnyk e Fineout-Overholt (2011).Os artigos selecionados passaram por análise detalhada e foram catalogados a partir do preenchimento de formulário contendo roteiro para extração de dados de interesse a fim de identificar os resultados que respondessem ao objetivo do estudo. Foi utilizada para construção da redação da revisão sumariada com breve histórico acerca da política, raciocínio crítico sobre os fatores que influenciam o comportamento masculino no acesso aos serviços de saúde, a visão dos gestores e serviços de saúde na atenção básica para implementação desse programa. Além disso, prover sugestões de melhoramento dos serviços e do acesso à saúde para esse grupo. RESULTADOS: Em síntese, as análises efetuadas neste estudo demonstraram que a dificuldade de inserção dos homens na ABS e vivenciada nos serviços se traduzem em três esferas principais: os homens; os profissionais de saúde e a gestão dos serviços desse nível de atenção (BRITO; SANTOS, 2014). No que se refere ao homem fica clara a marginalização da população masculina no que tange ao acesso aos serviços de saúde, o conceito de papel social a ser desempenhado, o modelo hegemônico de masculinidade e a socialização dessa população, que os afetam de formas distintas. Essas nuances amparam-se na cultura de gênero que não é compreendida em sua essência pelos diversos atores envolvidos nesse processo. Observou-se que os agentes mais lesados são os homens porque se percebem impossibilitados de externar seus sentimentos, inclusive de preocupação com sua saúde. Para, manter a conjuntura social da masculinidade hegemônica submete sua saúde como pagamento. Reafirmam a ideia de não pertencimento aos espaços nos serviços de saúde, tanto para si próprio quanto para a sociedade em seus diferentes contextos. Torna-se imprescindível reconhecer que a PNAISH, apesar de propor uma atualização de conceitos e reorganização de ideias, não dispõe de dispositivos institucionais para a efetivação da transformação de ideias em ações. O gênero, modula as práticas sociais e, como tal, orienta a percepção do mundo e como este vem a ser compreendido pelo sujeito. Justamente por isso engloba os sujeitos da comunidade, inclusive os profissionais das unidades básicas, que por falta da qualificação profissional e de recursos, reforçam a despreocupação em relação à saúde dos homens, o que contribui para sua invisibilidade. Associado a isso está a frágil vontade política e a falta de planejamento das ações pelos gestores completando o ciclo vicioso de descaso e descomprometimento com o público masculino e sua saúde. Mesmo diante das particularidades dos resultados e do baixo nível de evidência dos artigos (em sua maioria de nível 5). A falta de planejamento das ações para implementação da PNAISH, demonstra a necessidade de mudanças ainda na academia, para promover a qualificação profissional, o que poderia contribuir para implementação de mudanças no imaginário dos futuros profissionais e gestores que concebem e reafirmam construções culturais e sociais deletérias a todos, mas principalmente para os homens (SCHRAIBER et al, 2010; MOZER; CORRÊA, 2014). Devido ao processo de feminilização da ABS, reiterando e reproduzindo continuamente a permanência desse direcionamento na organização dos serviços, direciona o maior número de ações para mulheres, crianças e idosos, ao invés de atribuir a mesma importância à saúde dos homens (PEREIRA; NERY, 2014). A PNAISH é encarada como ampliação de cobertura desacreditada pelos profissionais, gestores e homens, legitimando o seu processo de invisibilidade. Também foi possível identificar no estudo a imprescindibilidade da capacitação dos formuladores de políticas públicas e dos profissionais de saúde que conduzem a ESF quanto à atenção integral à saúde do homem, considerando-se que os estudos apontaram que nenhum dos profissionais havia recebido capacitação para atender os homens em suas particularidades. Pelo contrário, revelou-se nesta revisão a dificuldade dos profissionais na abordagem dessa população. A capacitação profissional é indispensável para o desenvolvimento de ações baseadas na integralidade uma vez que amplia o foco de atenção distanciando-se da visão reducionista e biomédica e passando a se estruturar na ética, na humanização e no respeito aos direitos inalienáveis dos indivíduos (PEREIRA; NERY, 2014; AGUIAR; SANTANA; SANTANA, 2016). As alianças estabelecidas para a implementação de políticas públicas devem encontrar modos de operar em conjunto, abstraindo interesses das partes, chegando a um bem comum. Por exemplo, o uso de espaços coletivos e contextos majoritariamente masculinos para promoção à saúde é fundamental. Esses espaços e momentos não devem ser restritivos adotando a ideia da imposição de conhecimentos sobre saúde, mas objetivar a sensibilização sobre a importância do cuidado em saúde para os homens. Pondera-se a viabilidade da equipe gestora em promover a implementação de práticas em saúde voltadas para a ressignificação das concepções dos profissionais a respeito da relação homem/cuidados de saúde (MOZER; CORRÊA, 2014). CONCLUSÃO: A política de saúde para os homens não deve ser encarada em disputa com a política de saúde das mulheres, mas como atuação conjunta e complementar para a saúde da família e da comunidade.

Palavras-chave


Enfermagem; Saúde do Homem; Atenção Básica