Portal de Conferências da UnB, I Jornada Discente de Pesquisa em Comunicação - PPGCom FAC/UnB (2017)

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O CONTEXTO NO JORNALISMO: UM ESTUDO A PARTIR DA TEORIA DA COMPLEXIDADE
Ana Paula Lückman

Última alteração: 2019-06-16

Resumo


Doutoranda em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com orientação da profa. Dra. Virgínia Pradelina da Silveira Fonseca. Jornalista e Mestra em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: ana.luckman@gmail.com.

Resumo

A pesquisa investiga possíveis implicações das mudanças estruturais enfrentadas pelo jornalismo sobre seu campo teórico-epistêmico. Propõe um aprofundamento inicial em torno do conceito de contexto, com base em autores da área e apoio da teoria da complexidade.

Palavras-chave: Jornalismo; Mudanças estruturais; Contexto; Teoria da complexidade.

O advento das mídias digitais e as novas maneiras de circulação e fruição das informações necessárias para que as pessoas se organizem no mundo e interajam com ele têm suscitado uma intensa discussão acerca do papel do jornalismo – e, por extensão, do jornalista– nesse cenário em mutação. Existente “desde quando os públicos passaram a precisar de informação mediada sobre um mundo amplo” (ZELIZER, 2014, p. 13), o jornalismo está hoje em muitos lugares além dos espaços tradicionais associados a ele, como os jornais, o rádio e a TV; se há pouco mais de dez anos os jornais on-line não passavam de versões digitais estáticas de seu conteúdo impresso, hoje as empresas jornalísticas que ainda mantêm produtos impressos tiveram que se adaptar não só ao on-line, mas também à dinâmica da internet 2.0 e às plataformas digitais, que, para Bell e Owen (2017), exercem mais influência sobre o jornalismo do que a própria transição do impresso para o digital.

Esse cenário de novas configurações traz incertezas quanto ao futuro das empresas jornalísticas e também quanto à sobrevivência do jornalismo enquanto profissão, atraindo a atenção dos pesquisadores da área. Identificam-se de maneira ampla os desafios a serem enfrentados pelo jornalismo, o que envolve desde a indústria como um todo até questões de ordem profissional, ética, técnica e ontológica. Enquanto muitos autores e mesmo os próprios jornalistas profissionais tendem a falar em crise do jornalismo, estudiosos como Zelizer (2015), Van der Haak, Parks e Castells (2012) e Le Cam, Pereira e Ruellan (2015) problematizam essa expressão simplificada e preferem considerar o momento atual como sendo o de um conjunto de desafios de ordem diversa enfrentados pela área. Zelizer (2015), especificamente, sustenta que o termo crise é uma escolha léxica confortável, na medida em que traz embutida em seu sentido uma ideia de transitoriedade, uma perspectiva resolutiva.

É   inegável, contudo, que o campo jornalístico vem passando por transformações que precisam ser compreendidas, e a tecnologia, associada aos novos hábitos de consumo de produtos de mídia, tende a ser apontada como o principal motor de tais mudanças. Ao descrever os efeitos da “revolução digital” sobre o jornalismo, Kucinski (2012) afirma que as novas tecnologias não só reconfiguram de forma radical a mídia e o conjunto da comunicação, como também revolucionam as formas de socialização do ser humano, as práticas políticas e o modo como as pessoas se relacionam com o saber. No jornalismo, afirma o autor, a mudança estrutural

 

é    tão profunda e ampla que já sugere uma “ruptura epistêmica. Uma situação na qual o referencial teórico clássico pouco serve para explicar o que se passa” (KUCINSKI, 2012, p. 6). Kucinski enumera alguns indícios de que alicerces teóricos clássicos do jornalismo já sofrem os efeitos dessa ruptura: os conceitos de periodicidade, característica basilar do jornalismo (GROTH, 2011), e de notícia como mercadoria são tensionados e carecem de ressignificações, bem como a concepção e demarcação entre diferentes meios de transmissão ou plataformas escritas, gráficas, sonoras, estáticas ou móveis, que se fundem e interagem nos meios e plataformas (KUCINSKI, 2012), estas últimas tendo-se tornado onipresentes entre os usuários de internet e centralizado o consumo de notícias on-line de maneira sem precedentes (BELL; OWEN, 2017).

Nesse cenário, esta pesquisa propõe uma investigação preliminar das implicações do atual momento de transformações estruturais do jornalismo sobre seu campo teórico-epistêmico, revisitando e ressignificando uma noção teórica que nos parece essencial: a de contexto. A tarefa de contextualizar os acontecimentos relatados em forma de notícia é atribuída ao jornalismo por diversos autores, desde as teorias mais clássicas (PARK, 2008; GENRO FILHO, 1989; CORNU, 1999; HALL et al., 1993; RODRIGO ALSINA, 2009). No entanto, a importância de explicar e contextualizar tem adquirido relevância na medida em que a discussão em torno dos desafios impostos ao jornalismo pelo desenvolvimento das novas mídias também tem se ampliado (ANDERSON, BELL, SHIRKY, 2013; KOVACH, ROSENSTIEL, 2001). A perspectiva do pensamento complexo, que significa, sucintamente, “integrar simultaneamente as múltiplas dimensões de uma mesma realidade” (MORIN, 2014, p. 13), recolocando acontecimentos isolados em contexto, irá dar sustentação teórica à análise. Partimos do pressuposto de que, no jornalismo, contextualizar implica a adoção de uma atitude de complexidade da parte do sujeito-jornalista, no momento de construção da notícia. Além de aprofundar a questão conceitual em torno do contexto, buscaremos, no andamento do estudo, fazer dialogar essa noção com outros conceitos fulcrais da área, tais como acontecimento, enquadramento, contradição, sentido, senso comum, processamento da informação e apuração– além da própria noção de jornalismo, entendida como um macroconceito (MORIN, 2008) que comporta todos esses elementos.

Referências

ANDERSON, C.W.; BELL, Emily; SHIRKY, Clay. Jornalismo pós-industrial: adaptação aos novos tempos. Observatório da Imprensa, n. 743, 25 abr. 2013. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/adaptacao-aos-novos-tempos/>.Acesso em: 26 ago. 2016.

BELL, Emily; OWEN, Taylor. The platform press: how Silicon Valley reengineered journalism. Tow Center for Digital Journalism. Nova York: Columbia Journalism School, 2017. Disponível em: < http://towcenter.org/wp-content/uploads/2017/04/The_Platform_Press_Tow_Report_2017.pdf >. Acesso em: 11 abr. 2017.

CORNU, Daniel. Jornalismo e verdade: para uma ética da informação. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

GROTH, Otto. O poder cultural desconhecido: fundamentos da ciência dos jornais.Petrópolis: Vozes, 2011.

HALL, Stuart et al. A produção social das notícias: o mugging nos media. In: TRAQUINA,Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1993.

KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo: o que os profissionais devem saber e o público deve exigir. Porto: Editora Porto, 2001.

KUCINSKI, Bernardo. A nova era da comunicação: reflexões sobre a atual revolução tecnológica e seus impactos no jornalismo. Estudos em Jornalismo e Mídia, v. 9, n. 1, jan. a jul. 2012, p. 4 a 17.

GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. 2.ed. Porto Alegre: Ortiz, 1989.

LE CAM, Florence; PEREIRA, Fábio Henrique; RUELLAN, Denis. Introdução. In: MOURA, Dione Oliveira; PEREIRA, Fábio Henrique; ADGHIRNI, Zélia Leal. Mudanças e permanências do jornalismo. Florianópolis: Insular, 2015.

MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008.

MORIN, Edgar. Meus filósofos. Porto Alegre: Sulina, 2014.

PARK, Robert E. A notícia como forma de conhecimento : um capítulo dentro da sociologia do  conhecimento.  In:  BERGER, Christa;  MAROCCO,  Beatriz  (Org.).  A era glacial do jornalismo: teorias sociais da imprensa. V. 2. Porto Alegre: Sulina, 2008.

RODRIGO ALSINA, Miquel. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009.

VAN DER HAAK, Bregtje; PARKS, Michael; CASTELLS, Manuel. The future of journalism: networked journalism. International Journal of Communication, n. 6, 2012.

ZELIZER, Barbie. O que fazer com o jornalismo? Brazilian Journalism Research, v. II, n. 2, 2014, p. 12-27.

ZELIZER, Barbie. Terms of choice: uncertainty, journalism, and crisis. Journal of Communication, n. 65, 2015, p. 888-908.