, VI Conference of BRICS Initiative of Critical Agrarian Studies

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expansão da fronteira pelo agronegócio nos Cerrados e savanas: determinações tecnológicas e logísticas das agroestratégias e as resistências no Brasil e em Moçambique
Diana Aguiar, Silvio Isoppo Porto

Last modified: 2018-12-13

Abstract


A confluência histórica nos últimos 40 anos do aumento significativo da área plantada de soja no mundo e do avanço da fronteira da soja sobre os Cerrados e outros biomas de base savânica do Cone Sul não é casual. Tal confluência expressa a importância dos Cerrados, savanas e planícies na consolidação do modelo agroindustrial no Sul Global nas últimas décadas. Mais recentemente, este processo se reflete na tentativa de expansão desta experiência de ocupação dos Cerrados pelo agronegócio por meio do ProSavana no norte de Moçambique e na expansão nas fronteiras dos Cerrados brasileiro no Matopiba. O presente artigo trata em especial dos aspectos tecnológicos e logísticos que ancoram ou limitam esta expansão espacial.

Por um lado, o desenvolvimento tecnológico que sirva de suporte à expansão rumo a espaços com condições edafoclimáticas menos apropriados tem ancorado fundamentalmente este processo nos Cerrados. Os experimentos de tropicalização da soja a partir da década de 70 viabilizaram a ocupação de grandes extensões dos Cerrados pelo agronegócio – sobretudo aquelas atualmente mais consolidadas, como Mato Grosso e Goiás – e projetaram, em seu momento, a Embrapa como centro tecnológico.

Na concepção do ProSavana, a referência a essa experiência de “domesticação” do Cerrado – atribuída inicialmente ao Prodecer – se traduziu na participação da Embrapa em laboratórios e campos de teste de sementes em Moçambique. No caso do Matopiba – em que pese o desenvolvimento e a apropriação históricos de tecnologia para o plantio da soja nos Cerrados, em especial a validação de “pacotes tecnológicos” (variedades adaptadas e recomendações fitossanitárias) – a expansão da produção das commodities agrícolas (soja e milho) para essa fronteira agrícola está exigindo novos investimentos, em razão das condições ambientais próprias dessa região.

Por outro lado, e por consequência, este avanço de fronteiras impõe às agroestratégias a necessidade de viabilizar economicamente o transporte a partir das fronteiras aos mercados globais. Este avanço da fronteira nas entranhas de territórios mais distantes das vias de escoamento consolidadas gera uma forte demanda do agronegócio por soluções de transporte e uma consequente pressão sobre o desenho da agenda pública de infraestrutura para responder aos interesses logísticos das cadeias industriais voltadas à exportação. Seja por meio do redirecionamento de corredores (rumo ao chamado Arco Norte no Brasil) ou da ressignificação de corredores historicamente estabelecidos para outros usos (como no caso de Nacala em Moçambique), esta transformação nos sentidos geográficos ou de uso dos caminhos produz reconfigurações sociais no espaço.

Essas transformações tecnológicas e na configuração do ambiente construído encontram profundas resistências, sobretudo dos sujeitos que se insurgem diante das ameaças que esses corredores representam para seus modos de vida e produção, em razão das ameaças ao acesso e garantia da posse da terra, das crescentes restrições ao uso de biodiversidade ou, ainda, pelo estrangulamento das vias de escoamento das produções locais.