Portal de Conferências da UnB, VI SEMINÁRIO HISPANO-BRASILEIRO DE PESQUISA EM INFORMAÇÃO, DOCUMENTAÇÃO E SOCIEDADE

Tamanho da fonte: 
PERSPECTIVAS E DESAFIOS DA DOCUMENTAÇÃO MUSEOLÓGICA NO BRASIL
Andréa Fernandes Considera

Última alteração: 2017-10-05

Resumo


Nas últimas décadas temos assistido a um crescimento exponencial dos recursos tecnológicos voltados para os sistemas de informação. Tais recursos tem se tornado não só cada vez mais eficazes e acessíveis para as instituições e os profissionais de informação, como também vem alcançando uma grande parcela da população através dos serviços oferecidos a comunidade por bibliotecas, museus e arquivos.
No caso do campo museológico que nos interessa especificamente neste estudo, desde a década de 1970 – mais exatamente a partir da publicação dos resultados de Mesa Redonda de Santiago do Chile (ICOM, 1972) realizada pelo Conselho Internacional de Museus no Chile em 1972 com o intuito de discutir o futuro dos museus na América Latina – a preocupação com a finalidade social dos museus trouxe significativas mudanças no conceito de documentação e informação.
Se por um lado a documentação, em sua essência, se orienta pelas questões da ordem e da normalização (LOUREIRO, 2008), por outro lado, quando se considera a participação social neste processo (como nos inventários participativos) outras proposições ordenatórias são apresentadas relativizando assim diversas normativas pré-existentes. Esta abertura multidisciplinar, característica da museologia, se por lado amplia o leque de possibilidades de estudos e análises de certos contextos culturais, por outro lado traz uma série de novos desafios às técnicas de documentação, especialmente da documentação museológica.
Outra caraterística da documentação museológica é o seu caráter contínuo, cíclico e infinito, uma vez que o objeto musealizado adquire um novo significado social. Em outras palavras, quando o objeto perde sua função original e ingressa no universo museal, ele, na realidade adquire uma nova função: a função de “objeto de museu”. A partir de então, toda a existência e movimentação deste objeto musealizado precisa ser sistematicamente documentado não apenas com o objetivo de dar “ordem ao caos”, mas fundamentalmente para permitir que o objeto de museu possa estabelecer (e permitir) o diálogo com a sociedade.
Segundo José Loureiro, o contínuo fazer da documentação museológica é o que dá sentido à existência dos acervos e “negligenciá-la é, sobretudo, negar à esfera pública a pluralidade de significados e sentidos presentes nos acervos, reduzindo-os tudo a uma objetificação impenetrável” (LOUREIRO, 2008, p.25).
Por mais que os museus brasileiros, desde o século XIX, tenham desenvolvido sistemas de documentação os mais diversos, adequados às variadas tipologias de acervos, sempre surgem novos desafios que tornam tal tarefa sempre inacabada.
Como dissemos no início do texto, o incremento tecnológico vem contribuindo sensivelmente para a construção de modelos de documentação museológica, mas tais sistemas tecnológicos não são capazes de gerar sozinhos soluções para a diversidade de situações colocadas no dia-a-dia da prática da documentação, particularmente no que se refere à atividade de catalogação.
A documentação museológica compreende uma série de procedimentos que vão desde a simples organização dos documentos de aquisição dos objetos, até a realização de complexos inventários. De forma bem geral, podemos dizer que se utiliza basicamente de três instrumentos: o registro, a catalogação e o inventário. Não existe um modelo único para nenhum destes instrumentos, que possa ser aplicado a todos os museus. Por mais que os sistemas de museus busquem este “formulário ideal”, os objetos estão sempre traindo as regras e propondo desafios aos que se dedicam à documentação dos mesmos.
Helena Ferrez,(1994), já na década de 1990 ressaltava que os objetos estão inseridos num processo dinâmico de ressignificação ao longo de sua existência, fora ou dentro dos museus; a interação da sociedade com estes objetos lhes confere ainda uma noção de historicidade que leva cada objeto a ser único entre seus semelhantes,
“Um objeto, ao longo de sua vida, perde e ganha informações em consequência do uso, manutenção, reparos, deterioração. (...) E é esse conjunto de informações sobre um objeto que estabelece sua importância dentro de uma cultura e que o torna um testemunho, sem o qual seu valor histórico, estético, econômico, científico, simbólico e outros é fortemente diminuído”. (FERREZ, 1994, p. 64-67)
Neste sentido, a documentação de um objeto vai para além de sua simples análise material e informacional intrínseca, ou seja, envolve uma série de aspectos simbólicos e sociais, tornando o objeto complexo e enriquecendo seu significado, o que justifica cada vez mais a sua preservação, pesquisa e comunicação.
Nas duas últimas décadas diversas experiências vem sendo desenvolvidas no campo da documentação museológica que tem apontado em dois sentidos distintos, porém complementares.
De um lado, a busca de um sistema de padronização de informações que permita a constituição de um campo metodológico na documentação de museus. Neste caminho estão os trabalhos de Maria Cândido (2006) e Marilúcia Botallo (2010) relacionados respectivamente a tentativas de sistematização de informações sobre acervos em Minas Gerais e em São Paulo.
De outro lado, a preocupação cada vez maior com as questões sociais que envolvem o campo museológico e se refletem num processo documental relativizado no que se refere a sistematizações, permitindo uma abordagem multidisciplinar não só do objeto como consequentemente da sua própria noção de documentação. Talvez o exemplo mais atual deste tipo de iniciativa seja a tradução para o português das “Diretrizes Internacionais de Informação sobre Objetos de Museus” (CIDOC, 2014) do Comitê Internacional de Documentação do Conselho Internacional de Museus que, apesar do título, propõe soluções de catalogação que relativizam os próprios campos a serem preenchidos, permitindo, por exemplo, que um objeto tenha mais de uma função original ou mesmo mais de uma tipologia de título ou nome.
Como podemos observar, os desafios da documentação museológica não se resumem a sistemas informatizados em seu aspecto mais amplo; ao contrário, envolvem questões dinâmicas do próprio conceito e noção de documentação relacionadas a estes acervos, ou mais especificamente, à representação social destes acervos nos seus diversos contextos culturais.

Referências
BOTALLO, Marilúcia. Diretrizes em documentação museológica. In: ACAM Portinari, Associação Cultural de Amigos do Museu Casa de Portinari. Documentação e conservação de acervos museológicos. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, 2010.
CÂNDIDO, Maria Inez. Documentação Museológica. In: SECRETARIA de Estado da Cultura. Caderno de Diretrizes Museológicas. Belo Horizonte: Superintendência de Museus, 2006. p. 33-92.
CIDOC/ICOM, Comitê Internacional de Documentação do Conselho Internacional de Museus. Declaração de Princípios de Documentação de Museus e Diretrizes Internacionais de Informação sobre Objetos de Museus. São Paulo: Secretaria de Estado de Cultura de São Paulo, 2014.
FERREZ, Helena Dodd. Documentação museológica: Teoria para uma boa prática. In: Caderno de ensaios, nº2 Estudos de museologia. Rio de janeiro, Minc/Iphan, 1994. Pág. 64-67
ICOM, International Council of Museum. Mesa Redonda de Santiago do Chile. Santiago: Icom, 1972.
LOUREIRO, José Mauro Matheus. A Documentação e suas diversas abordagens: esboço acerca da unidade museológica. In: Museu de Astronomia e Ciências Afins. Documentação em Museus. Rio de Janeiro: MAST, 2008. Págs. 24 a 30.

Palavras-chave


Documentação Museológica