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REVISÃO DE LITERATURA: A ARTETERAPIA COMO PRÁTICA INTEGRATIVA NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS)
Willian da Cruz Andrade

Última alteração: 2021-07-10

Resumo


Eixo Temático: 6.1.5. PICS e os seus contextos práticos.

Willian da Cruz Andrade1; Alice da Silva Serra; Camila Fernanda de Araújo; Eduarda Oliveira Barbosa Benfica; Rafael Vieira Lomanaco.

1Acadêmico de Medicina, Centro Universitário Serra dos Órgãos, williamandrade75@hotmail.com.

Palavras-Chave: Centro de Atenção Psicossocial; Arte; Saúde Mental; Terapia pela Arte.

Introdução: Nise da Silveira, psiquiatra brasileira, ainda na década de 50, atuou através da arteterapia como método terapêutico para pacientes psiquiátricos, por meio de três princípios – afetividade, atividade e liberdade- a médica apresentou um modelo de saúde inovador, pautado na reabilitação do paciente e oferta de tratamento humanizado; desse modo, ela apresentou-se como revolucionária no processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil3,7. A Reforma Psiquiátrica atuou promovendo modificação na visão e na atuação dos profissionais de saúde diante de indivíduos com transtornos mentais. Nessa conjuntura, a Reforma tem o intuito de promover a reabilitação psicossocial do paciente, tendo sua atuação por meio de atividades humanísticas que visam a reintegração da pessoa, sendo a arteterapia uma prática com papel imprescindível para o alcance desse objetivo. Seguindo essa linha de raciocínio, e considerando a introdução do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em território brasileiro, desde a década de 80 a arteterapia apoia a ressocialização dos pacientes com transtornos psiquiátricos, com o intuito de manter o indivíduo em tratamento extra-hospitalar, próximo da família e com esperança de reconquistar atividades da sua rotina e reintegração no meio social7. Destarte, a assinatura da Portaria nº 849/2017, consagrou a arteterapia, juntamente com outras atividades, como sendo parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) ofertadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS)¹. Sob tal ótica, com a utilização de técnicas expressivas, esse processo terapêutico pode ser feito em grupo ou individualmente, conduzido por um arteterapeuta. A arte promove o autoconhecimento, a sociabilização, a criatividade, o raciocínio e o silêncio. A arteterapia como prática integrativa oferece melhor qualidade de vida ao indivíduo, ao passo que auxilia no desenvolvimento de formas mais harmônicas de expressar o stress e os traumas vivenciados¹. Objetivos: Descrever a importância e aplicabilidade da Arteterapia como prática integrativa e complementar nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Metodologia: Trata-se de uma revisão bibliográfica integrativa de caráter qualitativo e exploratório referida a utilização da arteterapia nos centros de atenção psicossocial. As pesquisas para todas as referências científicas e arquivos incluídos neste trabalho foram efetuadas nas bibliotecas eletrônicas SCIELO, na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e na BVS do Ministério da saúde (MS), com base de dados no MEDLINE e LILACS, onde foram selecionados um total de 6 trabalhos científicos e 1 portaria publicada pelo MS. Foram incluídas produções científicas escritas em português que abordassem a temática desde o ano de 2007 ao ano de 2018. Desenvolvimento: A arteterapia fundamenta-se na expressão artística dos sentimentos mais profundos derivados do inconsciente humano que não são ditos em palavras. Suas ferramentas se baseiam no reconhecimento individual, treinando ou não em arte, projetando os conflitos internos de forma artística6. Além disso, tal dispositivo reúne domínios de diversos âmbitos do conhecimento, sendo uma prática transitória sobre várias disciplinas, a fim de buscar a integralidade do indivíduo por meio do autoconhecimento e transformação². O entrelace entre a construção artística e a expressão dos sentimentos interiores ganhou grande importância ao decorrer do tempo, visto que tal ferramenta se tornou bastante estudada por diversos estudiosos. Sob tal ótica, Sigmund Freud, no início do século XX, observou que os artistas poderiam simbolizar o seu inconsciente em sua produção, retratando conteúdos do psiquismo6. Desde então, diversos estudos acerca de tal acontecimento, foram iniciados como pelo psiquiatra Carl Gustav Jung com a psicologia analítica junguiana, visando a arte como parte do processo psicoterapêutico². Dissidente de Freud, Jung baseava-se na existência, nas profundezas do psiquismo, de camadas mais internas, repletas de matrizes imagéticas em cada indivíduo ao longo dos séculos e nas mais variadas culturas5. No Brasil, a arteterapia teve como uma das pioneiras a Dra. Nise da Silveira que por meio desta ferramenta, no Rio de Janeiro, deu início ao uso da arte como terapia, como ela é vista atualmente no meio psiquiátrico6 e ao mesmo tempo agregando valor na luta antimanicomial, devido aos seus grandes feitos através desta terapêutica. O modelo terapêutico da Nise se relaciona com diversos estudiosos, entre eles o Jung, onde buscou inspirações, vendo o uso das imagens como um recurso de acesso ao mundo interno de seus pacientes, ou seja, a expressão artística dando acesso ao subjetivo de cada indivíduo, mas além disso uma ferramenta capaz de provar uma resposta terapêutica. Assim, ambos acreditavam e se baseavam na fragmentação do psiquismo, onde a prática da pintura e de modelar funcionaria de forma integradora5. Dessa forma, percebe-se o avanço do uso da arte não só como algo complementar ao tratamento, mas como uma ferramenta essencial no processo terapêutico dos pacientes psiquiátricos, devido sua capacidade, já relatada por diversos estudiosos, como a própria Nise, de exteriorizar a subjetividade de cada indivíduo além de contribuir para o combate contra o estigma social sobre estes pacientes que ainda perdura atualmente. Um estudo descreveu a utilização da arteterapia em um grupo de 15 pessoas, homens e mulheres, de setembro de 2008 a fevereiro de 2009, com o apoio de um artista em formação em artes plásticas, assistente social com formação em arteterapia e uma enfermeira no CAPS de uma cidade de Fortaleza. As atividades desenvolvidas transitavam entre ilustrações, utilização de músicas instrumentais entre outros dispositivos da arte. Intitulados como Amigos da arte, o grupo relata que com tal experiência conseguiram utilizar a técnica como algo capaz de diminuir a agitação naqueles que continham tal sintoma, como também reduzir o nível de angústia e medo, fazendo com que estes indivíduos se descobrissem e minimizassem seus fatores emocionais negativos que normalmente advém com a doença psíquica, como agressividade, apatia, isolamento social e entre outros ao longo das sessões realizadas6. Ademais, uma pesquisa qualitativa realizada em 2016 baseada em uma entrevista semiestruturada no CAPS de uma cidade do Rio Grande do Sul sobre a experiência de 9 indivíduos, que já participavam de oficinas artísticas como música e artesanato relatou a influência dessas oficinas como um fator de reajuste da qualidade de vida daqueles que participaram das atividades, ressaltou-se também o forte vínculo criado entre os pacientes, os profissionais e o projeto, o que levou em uma construção conjunta de uma terapêutica benéfica para estes pacientes que necessitavam do atendimento. Além disso, demonstrou que a terapia aplicada ultrapassou o limite terapêutico local, não se limitando apenas ao vínculo entre profissionais e pacientes, como também chegando na construção de bons relacionamentos familiares e sociais destes indivíduos envolvidos7. Outrossim, já um estudo transversal avaliativo sobre os elementos de arte-cultura utilizados em instituições e locais em Carapicuíba - SP, como proposta terapêutica em indivíduos acima de 18 anos, evidenciou questões gerais da percepção da qualidade de vida global e satisfação com a saúde em relação a quatro domínios o físico, o psicológico, as relações sociais e o meio ambiente. Em relação aos domínios físico e da relação social a pesquisa demonstrou resultados positivos, pois a aplicabilidade das atividades proporcionou a independência dos indivíduos, mantendo sua capacidade funcional para o desenvolvimento das mesmas. Já no domínio do meio ambiente foi evidenciado a influência do apoio familiar e dos amigos, visto que seu déficit pode ser um fator prejudicial tanto no tratamento quanto na qualidade de vida. Em geral, constatou-se que os elementos da arte e cultura aplicados na reabilitação, como instrumentos terapêuticos, provocam o bem-estar, a autonomia, a energia para realizar as atividades do cotidiano e a felicidade sendo estes indicadores de satisfação pessoal e melhora na qualidade de vida4. Assim, apesar de serem trabalhos desenvolvidos em locais diferentes, épocas distintas e de métodos diferentes, percebe-se que tal fato não impossibilita que eles se complementem  e entrem em concordância com as ideias da  Nise, elucidando e ressaltando a funcionalidade e a importância do papel da arteterapia como peça fundamental na terapêutica dos indivíduos com doença mental nos CAPS, devido aos resultados satisfatórios relatados, como a diminuição dos fatores negativos associados a maioria das doenças psíquicas como o isolamento social que culmina nos estigmas negativos que ainda são colocados pela sociedade, devido a socialização entre os pacientes e a equipe, além da melhor expressão dos sentimentos mais internos desses indivíduos através da arte. Por fim, estes trabalhos, ainda reiteram a importância de profissionais capacitados e humanizados com a causa para o sucesso terapêutico da prática e também a perpetuação da discussão sobre o tema a fim de proporcionar o bem-estar dos indivíduos em sofrimento mental e da população em geral2,4,7. Consideração: Com esse panorama realizado através desta revisão, comparando os estudos atuais com as teorias dos estudiosos passados, pode-se considerar que a arteterapia se apresenta como uma prática integrativa que busca atingir o conjunto do indivíduo por meio do autoconhecimento e da transformação que serão conquistados através da expressão artística dos sentimentos mais profundos. O cruzamento entre a forma artística e os sentimentos tem ganhado grande importância desde o início do século XX, inclusive no Brasil ela ganhou força no meio psiquiátrico e na luta antimanicomial. Consequentemente, a arteterapia deixou de ser complemento no tratamento dos pacientes e se tornou uma ferramenta essencial no processo terapêutico, devido sua capacidade já evidenciada nos estudos relatados. Assim, arteterapia atualmente faz parte no programa do CAPS através de atividades que transitam desde a música até o artesanato, e inclusive é utilizada devido a capacidade de controlar a agitação, o medo e a angústia. Desse modo, faz com que os pacientes apresentem aspectos emocionais negativos reduzidos, e assim atingem uma melhora na qualidade de vida. Nota-se também que o desenvolvimento dos pacientes foi atingido fora das áreas englobadas pelo CAPS, alcançando outras esferas sociais dos mesmos, apresentando relacionamentos familiares e sociais saudáveis assim como descritos pela pioneira Nise.  Em suma, é prioridade identificar a arteterapia como uma das atividades terapêuticas principais em indivíduos que frequentam o CAPS, devido aos resultados satisfatórios que a técnica apresenta tanto em âmbito profissional quanto familiar. É uma terapia que apesar de ser aplicada de forma distinta em diferentes locais de trabalho não impossibilita o sucesso e a complementação com ideais antigos. Além disso, é notório a importância do aguçamento da parte humana dos profissionais envolvidos na prática, pois tal ação é essencial para o sucesso terapêutico e para a reinserção dos pacientes à sociedade.

Referência Bibliográfica

1. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. PORTARIA Nº 849, DE 27 DE MARÇO DE 2017.

 

2. COQUEIRO, N.F; VIEIRA, F.R.R; FREITAS, M.M.C. Arteterapia como dispositivo terapêutico em saúde mental. Acta Paul Enfermagem. V.23, n.6, p. 859-62. 2010.

 

3. DELGADO, P.G.G. Democracia e reforma psiquiátrica no Brasil. OPINIÃO. Universidade Federal de Juiz de Fora. p. 4701-4706.

 

4. GONÇALVES, V.F. Arte-cultura na qualidade de vida dos usuários dos serviços de saúde mental do município de Carapicuíba – SP. Programa de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva – Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. São Paulo, 2018. Disponível em: <https://docs.bvsalud.org/biblioref/2019/09/1007999/verafreire_dissertacao.pdf>. Acesso em: 30 de maio de 2021.

 

5. MAGALDI, F.S. A psique ao encontro da matéria: corpo e pessoa no projeto médico-científico de Nise da Silveira. História, Ciências, Saúde. v.25, n.1, p.69-88. Rio de Janeiro: Manguinhos, 2018.

 

6. VASCONCELLOS, E.A; GIGLIO, J.S. Introdução da arte na psicoterapia: enfoque clínico e hospitalar. Estudos de Psicologia. v. 24, n.3. Campinas. Julho – Setembro, 2007.

 

7. WILLRICH, J. Q; PORTELA, D. L; CASARIN, R. Atividades de arteterapia na reabilitação de usuários da atenção psicossocial. Rev. enferm. Saúde. V.7, n.3, p.50-62. Outubro-dezembro, 2018.

 

 

 


Palavras-chave


Centro de Atenção Psicossocial; Arte; Saúde Mental; Terapia pela Arte