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O USO TERAPÊUTICO DE DERIVADOS DA CANNABIS SATIVA EM PACIENTES DIAGNOSTICADOS COM DOR NEUROPÁTICA
Eduarda Oliveira Barbosa Benfica, Alice da Silva Serra, Camila Fernanda de Araújo Santos, Rafael Vieira Lomonaco, Willian da Cruz Andrade

Última alteração: 2021-07-10

Resumo


Introdução: A Cannabis sativa (Cs), conhecida no Brasil popularmente como Maconha, é uma planta que apresenta muitas aplicações terapêuticas, as quais são amplamente estudadas e difundidas ao longo da história². Os primeiros relatos descritos a respeito de sua utilização foram obtidos através da cultura chinesa, porém, devido ao abuso recreativo praticado ao longo do século XX, o seu cultivo e exploração foi proibido5. Atualmente, após descobertas científicas de sua aplicabilidade medicinal por meio dos neuroreceptores canabinóides, seu uso terapêutico foi permitido em países como a Holanda e em alguns Estados Americanos6.  Devido ao seu caráter versátil, sua utilização como potencial fármaco analgésico vem sendo pesquisado para aliviar os sintomas de doenças do sistema nervoso central (SNC) através dos receptores CB1 encontrados em grande concentração em regiões corticais cerebrais e gânglios da base, e em menor concentração em regiões hipotalâmicas e tronco cerebrais, sendo sua ação principalmente no que se refere a inibição de glutamato e diminuição de uma resposta dolorosa através de receptores N-metílico-D-Aspartato (NMDA)5,6. A partir disso, pesquisas têm sido desenvolvidas relacionando o uso medicinal de Cs com a dor neuropática, com um maior foco em relação à propriedade farmacológica designada Canabidiol (CBD), uma vez que se sabe de antemão as características analgésicas desse composto, beneficiando a difusão de sua aplicação de modo a trazer avanços significativos para a medicina8. Nesse contexto, entende-se a dor neuropática como um desafio médico, visto que ela ocorre devido a uma disfunção ou trauma que atinge nervos e, consequentemente, o sistema somestésico, trazendo para o indivíduo complicações e piora na qualidade de vida7. Dessa maneira, a utilização dos componentes farmacológicos provindos da Cannabis sativa na terapêutica da dor neuropática têm refletido um cenário satisfatório8. Objetivos: Evidenciar o uso dos canabinóides como terapêutica para a dor neuropática e a relevância na obtenção de estudos para qualificar o uso de medicações específicas das substâncias extraídas da Cannabis sativa no significativo retrocesso das manifestações clínicas. Metodologia: Trata-se de uma revisão bibliográfica integrativa de caráter qualitativo e exploratório referida ao uso terapêutico de derivados da Cannabis sativa (Cs) no tratamento da dor neuropática. As pesquisas para todas as referências científicas e arquivos incluídos neste trabalho foram efetuadas na biblioteca eletrônica SCIELO e na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), com base de dados no MEDLINE e LILACS, nos quais foram selecionados um total de 11 trabalhos científicos a partir dos seguintes descritores: “Canabinóides” E “Dor Neuropática” E “Canabidiol”. Foram incluídas produções científicas escritas em inglês, português, alemão e espanhol que abordassem a temática do ano de 2006 ao ano de 2020. Desenvolvimento: A dor neuropática, caracterizada por dor decorrente de lesão ou doença nas vias somatossensoriais, é frequentemente refratária a terapias farmacológicas convencionais, necessitando da comprovação de novos agentes analgésicos4,7,11. Nesse cenário, sabe-se que cerca de 6,9 a 10% da população mundial e 10 a 14,5% da população brasileira são afetadas pela dor neuropática de caráter crônico3, fato que contribui para a sobrecarga funcional e impacto na qualidade de vida dos pacientes, visto as limitações e os efeitos decorrentes das manifestações dolorosas. Nessa perspectiva, os derivados da Cannabis sativa (CS) têm demonstrado alto potencial terapêutico no que se trata à modulação da dor1,2,5,8,9,10,11. Estudos associados aos caracteres farmacológicos da Cannabis herdaram grande incitamento, principalmente, após a descoberta e caracterização química de seu principal componente psicoativo, o Δ9-tetra-hidrocanabinol (THC), em 19642,5,6,8. Como efeito, tal avanço refletiu na revelação do sistema endocanabinóide (SEC), colaborando para o desenvolvimento de estudos sobre novos agentes farmacêuticos. A partir desse viés, posteriormente, acredita-se que a identificação e distribuição dos dois receptores canabinóides, CB1 e CB2, são responsáveis por muitos dos efeitos farmacológicos e bioquímicos produzidos por grande parte dos compostos da maconha. Assim, após a interação com os receptores, ocorre um decréscimo na liberação de neurotransmissores, de modo que a complexidade dos efeitos gerados seja dependente de fatores como o tipo de célula, a interação com diferentes tipos de ligantes e a competição pelos sítios de ligação deste receptor por outras moléculas2,5,6,8. Além disso, menciona-se que os receptores CB1, localizados no sistema nervoso central, seriam capazes de mediar grande parte dos efeitos que afetam as funções cognitivas, memória de curto prazo e dor, além do vínculo com o controle e coordenação motora, hipotermia e hiperfagia². Os receptores CB2, por sua vez, distribuídos pelo sistema periférico, apresentam relação direta com o sistema imunológico, o que poderia elucidar as repercussões sobre a inflamação e a dor crônica2,5,6,8. Sob tal ótica, atualmente, a classificação dos canabinóides engloba três tipos: os canabinóides sintéticos, os canabinóides endógenos ou endocanabinóides e os fitocanabinóides. O corpo humano produz, sob demanda, endocanabinóides, representados principalmente pelo 2-araquidonoil glicerol e pela anandamida, formados por vias dependentes de fosfolipídios membranares, possuindo vinculação com as prostaglandinas2,8. A ação de tais compostos é concluída com a captação nas terminações pré-sinápticas, seguida de metabolismo, tendo como finalidade a reparação ou modulação da função de outros mediadores quando necessário. A anandamida representa o primeiro canabinóide endógeno descoberto e caracteriza-se por possuir afinidade moderada pelo receptor CB1, de forma que possui efeitos centrais e periféricos, essenciais na regulação de funções específicas no cérebro, como humor, cognição e memória6. É válido ressaltar, ainda, que além de uma ação anti-inflamatória, as substâncias canabinóides inibem a liberação de glutamato no hipocampo, reduzindo a resposta dolorosa mediada por NMDA, podendo ser úteis no tratamento de distúrbios dolorosos nos quais mecanismos glutamatérgicos parecem estar envolvidos8. O THC, enfim, associa-se igualmente a ambos receptores4,8,10, possuindo maior potência em comparação com a anandamida 2,6,10. Tal composto é capaz de modular a neurotransmissão inibitória (ácido gama-aminobutírico) e excitatória (glutamato)10, além de inibir a síntese de prostaglandina E-2 e estimular a lipoxigenase8. O canabidiol (CBD), por sua vez, caracteriza-se por um importante componente não psicoativo da maconha, classificado como um fitocanabinóide presente em altas concentrações no extrato bruto da Cs8,10,11. Apesar de não apresentar afinidade considerável pelo receptor CB1, alguns dos seus efeitos, como o ansiolítico, aparentam ser mediados pelo receptor serotoninérgico 5-HT1A5. Ademais, o CBD parece agir como um modulador do SEC, atenuando os efeitos do THC sobre o comportamento, o apetite e a memória de curto prazo8. Observa-se que seus derivados modificados suprimem significativamente a dor inflamatória crônica e a dor neuropática sem causar tolerância aparente a analgésicos11. Assim, estudos clínicos demonstraram que a combinação de THC e CBD pode ser uma opção terapêutica eficaz para pacientes com tais comorbidades11. Visto isso, a abordagem farmacológica da combinação de agentes canabinóides e opioides têm sido abordada, sendo reconhecidos mecanismos de interação entre o sistema canabinóide e opioide, como a liberação de endorfina, efeito poupador de opioides, e resgate da analgesia por opioide após o fenômeno de tolerância. A partir desse viés, um estudo aprovado, baseado na revisão de 44 trabalhos, classificou os medicamentos à base de Cannabis como tratamento de terceira linha para a dor neuropática, como um suplemento ou uma alternativa aos opioides em pacientes refratários selecionados, considerando também, a não disponibilidade no sistema público de saúde brasileiro e o atual custo elevado da terapêutica³. Ademais, uma revisão sistemática de 15 estudos, abrangendo 1619 pacientes, relacionados ao uso de canabinóides para a dor neuropática crônica, apresentou uma redução significativa da dor superior a 30% (p= 0,004) em comparação com placebo, considerando o tratamento com canabinóides após falhas de terapia de primeira e segunda linha9. Logo, as aplicações terapêuticas da Cs e seus derivados são muito amplas. Os medicamentos como o Marinol®, Cesamet®, Cannador® e Sativex® foram citados a partir de estudos abordando dor neuropática, artrite reumatóide, esclerose múltipla e outras síndromes dolorosas, de modo que o Sativex® apresentou resultados mais favoráveis e efeitos adversos mais leves em comparação com os outros agentes farmacêuticos1,2,5,8,10,11. Além disso, os efeitos adversos, como as alterações psicoativas, tontura, náusea, sonolência e irritabilidade, demonstraram importância significativa, podendo limitar o uso de tais medicamentos1,2,6. Por fim, nota-se que, apesar dos benefícios apresentados, os estudos que apontam a possibilidade do efeito analgésico da Cannabis ainda possuem limitações no que se refere às diferentes doses e vias de administração, fórmulas farmacêuticas utilizadas, tamanho reduzido da amostra e falta de ensaios comparativos com diferentes formulações. Consideração: Esta revisão de literatura constatou que além da prescrição inadequada dos medicamentos atualmente utilizados no tratamento da dor neuropática, observa-se também uma escassez de diretrizes e consenso de cunho apoiador para o manejo da comorbidade, levando à frequente associação de fármacos que muitas vezes não são apoiados por evidências ou recomendações. Nesse sentido, o uso terapêutico de canabinóides pode propiciar ao médico uma alternativa para o manejo da dor neuropática, tendo em vista seu perfil farmacológico único e baixas evidências relacionadas a efeitos adversos graves. Contudo, é nítida a necessidade do desenvolvimento de pesquisas capazes de comprovar tanto a excelência terapêutica desse composto quanto o risco com relação aos efeitos adversos, em especial, os de longo prazo. Conclui-se, portanto, que o manejo terapêutico da dor neuropática com o uso de canabinóides têm um enorme potencial de sucesso, mas para atingir esse objetivo, é necessário a evolução de estudos capazes de elucidar acerca dessa aplicabilidade, sendo imprescindível que o tema seja mais debatido, tendo em vista seu caráter ideológico, político e socioeconômico.

 

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Palavras-chave


Canabinóides; Dor Crônica; Manejo da Dor; Cannabis.