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A influência da espiritualidade no tratamento de doenças crônicas
Camila Ferreira Silva, Beatriz Pereira Vilela, Mariana Rodrigues Ferreira

Última alteração: 2021-07-07

Resumo


Introdução: De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2005, cerca de 35 milhões de pessoas morreram de doenças crônicas no mundo. Segundo a organização anteriormente citada, doenças crônicas são enfermidades de desenvolvimento lento e de longa duração, que muitas vezes perduram por toda a vida. Podem ser silenciosas ou sintomáticas, comprometendo até mesmo a qualidade de vida. Dentre as doenças crônicas definidas pela OMS, estão as doenças cardiovasculares (cerebrovasculares e isquêmicas), as neoplasias, as doenças respiratórias crônicas e a diabetes mellitus. No entanto, as principais doenças crônicas estudadas em associação com a influência da espiritualidade, demonstram-se sendo, a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)⁹, as doenças reumáticas ¹⁰, a doença renal crônica¹’³’⁴’ ⁸ o HIV⁵, dentre outras. Isso se dá, visto a alta incidência de mortalidade que há entre aqueles que possuem doenças crônicas e, também, o histórico de “doenças que não possuem cura”, tornando-se deste modo importante a vinculação da espiritualidade e suas associações no contexto de convívio de pacientes que possuem doenças crônicas. A espiritualidade surge, assim, como uma forma de melhorar a adaptação e a superação do paciente que vive com tais doenças¹ e, nesse sentido, tem-se descoberto que coletar a história espiritual do paciente, uma forma relativamente simples de integrar a espiritualidade ao cuidado do paciente, está associada a uma maior satisfação com o tratamento, maior adesão e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida. No que diz respeito aos motivos que levam o indivíduo com uma doença crônica a buscar a espiritualidade deve-se, principalmente, ao fato de que a doença já se encontra em progresso. Além disso, tem-se que, principalmente em indivíduos idosos,  e com o progresso da doença há uma concomitante diminuição da qualidade de vida, o que o leva a buscar uma relação com o transcendente, ademais, segundo relato dos pacientes crônicos, a espiritualidade é um instrumento que lhes dá força e suporte para a superação diária das doenças crônicas que os acomete.²’¹⁰ Dentre os vários estudos realizados, a espiritualidade pode ser utilizada como um método estratégico no que se refere ao enfrentamento de situações críticas da vida, visto que essa, além de aumentar o senso de propósito e o significado da vida, também pode proporcionar maior resistência ao estresse relacionado às doenças. Como exemplo, em indivíduos com insuficiência renal crônica, a espiritualidade possibilita ao paciente visões positivas de si mesmo, de seu futuro e do meio em que vive. Foi demonstrado recentemente que naqueles pacientes aos quais estavam em tratamento dialítico, os que possuíam menor nível de espiritualidade necessitavam de mais intervenções terapêuticas¹. Por fim, outro fator a ser considerado é a saúde mental dos indivíduos que possuem doenças crônicas, fatores como autoestima, relacionam-se diretamente com a espiritualidade, visto que a autoestima está intimamente ligada ao bem-estar espiritual, ou seja, quanto maior foi o bem-estar espiritual maior será a autoestima¹. Outro fator importante são os sintomas depressivos apresentados pelos pacientes ⁶’⁷’⁹ ,visto vez que os recursos religiosos podem melhorar o enfrentamento dos sintomas de depressão assim como os da doença física. Objetivos: analisar se a espiritualidade influencia positivamente no enfrentamento de doenças crônicas. Metodologia: foi realizada uma busca nas bases de dados Scielo e PubMed, utilizando os descritores: “Chronic diseases” e “Spirituality” combinadas entre si com o operador booleano “AND” na versão em inglês e português. Conforme os critérios de exclusão (pacientes com câncer, não falar de espiritualidade, trabalhos de meta-análises e revisões de literatura) foram selecionados dezenove artigos (19), dos quarenta e três (43) artigos publicados nos últimos dez anos. Resultados: Dentre os estudos analisados, a maioria apontou efeitos positivos da relação entre espiritualidade/religiosidade e doenças crônicas. Nos estudos selecionados, a doença crônica que mais frequentemente teve sua relação com a espiritualidade analisada foi a doença renal crônica, com dez dos dezenove artigos selecionados, ficando à frente de outros cinco estudos que abordavam a depressão severa e sintomas depressivos  relacionados de maneira geral às doenças crônicas, sendo seguidos de outros cinco artigos isolados que abordaram cada um sobre: a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), as doenças reumáticas, a hipertensão arterial sistêmica (HAS), a fibrose cística e os pacientes que convivem com o vírus da imunodeficiência humana (HIV). No que diz respeito aos questionários aplicados nos estudos, o mais utilizado foi o “Spirituality and Coping (SpREUK) questionnaire”, esse questionário foi desenvolvido para investigar se os pacientes com doenças crônicas utilizam a espiritualidade como um dos recursos para lidar com a doença. Desse modo, quando o questionário foi aplicado em um estudo contendo 51 pacientes com doenças reumáticas ¹⁰, foi demonstrado que nesse tipo de doença crônica a espiritualidade/religiosidade não se relacionava com a melhora da doença. Entretanto, quando o mesmo questionário foi aplicado em pacientes renais crônicos em hemodiálise⁴ foi observado que as atitudes religiosas auxiliam em aspectos como qualidade de vida e enfrentamento da doença dos pacientes. Outro instrumento utilizado, embora menos frequentemente, foi o “WHOQOL-SRPB (Escala de Coping Religioso/Espiritual)”, esse questionário visa avaliar de que forma a espiritualidade, a religião e as crenças pessoais estão relacionadas à qualidade de vida (QV) na saúde e na assistência à saúde. Dentre os resultados encontrados a partir da aplicação desse teste em pessoas com doenças crônicas e pessoas saudáveis ¹¹, foi encontrado que àqueles acometidos por doenças crônicas, davam maior importância à espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais, possuindo assim escores mais elevados no teste, esse resultado acontece haja vista a necessidade aumentada de suporte por parte desses indivíduos. Apesar de a maioria dos estudos demonstrarem que a espiritualidade/religiosidade, assim como o bem-estar espiritual, possuem influência positiva nos pacientes com doenças crônicas, um dos estudos⁸ destacou que o bem-estar agiu de forma negativa nos pacientes, deixando-os mais estressados psicologicamente, com perturbações do sono, com queixas psicossomáticas e agravamento da saúde mental. Seguindo a mesma linha, outro ¹² indicou que a espiritualidade apresentou pouca influência na saúde física e mental em pacientes com doenças crônicas, quando comparada com a adesão ao tratamento. No que diz respeito à idade, tem-se verificado dentre os estudos que a população idosa procura uma relação com o transcendente ao longo de seu envelhecimento, principalmente, pelo surgimento de doenças crônicas que reduzem a qualidade de vida desses indivíduos², além disso, grande parte dos estudos que fazem parte da presente revisão, foi realizado com indivíduos idosos, e somente em um deles¹⁰ foi encontrado que a espiritualidade não interferia na luta contra a doença. Isso demonstra que mesmo com a dificuldade das doenças, e o acréscimo dado, nesse caso, à associação com o envelhecimento, que já traz consigo o decréscimo de algumas funções do indivíduo, a espiritualidade continua sendo uma das formas de reduzir o sofrimento dos indivíduos que possuem doenças crônicas. Dessa forma, foi encontrado em uma entrevista realizada com indivíduos idosos que possuem doenças crônicas que a espiritualidade lhes dava força para continuar, e estava presente na vida deles como um suporte para a vida, e para ultrapassar o dia-a-dia.² Por fim, no que diz respeito as correlações entre o sexo dos indivíduos, os estudos constituídos predominantemente por mulheres apresentavam aspectos que faziam menção à experiência religiosa/espiritual como algo que mudou vidas, além disso, foi citado que o envolvimento religioso estava positivamente relacionado ao significado e propósito na vida; e aqueles em que a maioria da amostra eram homens, foi encontrado que as atitudes religiosas auxiliavam o paciente no enfrentamento de situações difíceis. Assim, esses achados demonstram que independente do sexo que indivíduo possui, a espiritualidade surge como uma estratégia auxiliadora no enfrentamento da doença crônica. Consideração: Dessarte, a maioria dos artigos analisados comprovou que a espiritualidade pode ter aplicabilidade na melhoria no tratamento de doenças crônicas e na qualidade de vida dos pacientes. Alguns artigos trazem a espiritualidade como um tratamento de suporte, visto que pode atuar como mecanismo de defesa e fortalecimento, proporcionar bem-estar, gerar melhorias na saúde mental, elevando a autoestima e frequência de sentimentos positivos. A espiritualidade além de ser um processo assistencial no tratamento, também se apresenta colocada como um mecanismo de proteção para os pacientes. O stress, a ansiedade, a angústia e o medo são sentimentos relatados com certa constância nos indivíduos diagnosticados com doenças crônicas, entretanto, a prática e desenvolvimento da espiritualidade são capazes de trazer calma, esperança, coragem e autoestima. Esses sentimentos positivos são benéficos para o indivíduo, trazendo leveza e maior qualidade no processo de enfrentamento e convívio com a comorbidade. Assim, reconhecer e estimular a religiosidade como forma de encorajar o paciente a lidar com sua doença e suas consequências cotidianas, bem como de resguardar uma dimensão de seus direitos humanos, é coerente também com a concepção de um conceito de saúde que a ultrapasse apenas um estado de ausência de doenças, mas como estado integral do indivíduo que contemple tanto o bem-estar físico, quanto o mental e social. Ademais, evidencia-se a necessidade de maiores pesquisas sobre o tema. A temática possui certa profundidade que demanda mais estudo e investigação, nota-se ainda um número de publicações relativamente reduzido. Nesse viés, pode-se dizer também que ensaios maiores trariam grande contribuição para o estudo da influência da espiritualidade nos processos de saúde-doença. Haja vista que o tamanho reduzido das amostras participantes dos estudos foi um fator limitador comum a alguns dos estudos realizados.

 

Referência Bibliográfica

 

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Fomento:

Palavras-chave


Espiritualidade; Doenças crônicas;