Última alteração: 2021-07-09
Resumo
Introdução: Cuidados paliativos abrangem cuidados físicos, espirituais e psicossociais prestados por uma equipe multidisciplinar (médicos, enfermeiros, assistente social, capelão e cuidadores de saúde mental) com a finalidade de melhorar a qualidade de vida de pacientes que vivem com doenças fatais¹. Embora mais frequentemente discutidos em contextos de fim de vida, é apropriado que sejam aplicados em todos os estágios da doença, incluindo o momento do diagnóstico, o período que o paciente está recebendo terapias modificadoras da doença, quimioterapia ou cirurgia e o processo de morte¹. Quando se trata de cuidados paliativos pediátricos de fim de vida, estes devem garantir a melhor qualidade de vida possível tanto para os pacientes quanto para os familiares². Para isso é necessário esforço multidisciplinar coordenado envolvendo uma boa comunicação e relação com pacientes e familiares, estabelecendo continuidade e consistência nos cuidados, considerando uma participação ativa dos pacientes e família no processo de tomada de decisão sobre serviços e opções de tratamento, sendo sensível a crenças e valores culturalmente diversos sobre a morte e o processo de morrer, além de fornecer apoio e suporte nos momentos de sofrimento e durante as fases do luto2. Um exemplo disso é a atuação do capelão, que fornece uma descrição dos aspectos espirituais e psicossociais da experiência do paciente e da família, integra o cuidado interdisciplinar do paciente; e perfaz diversas intervenções longitudinais, tanto religiosas quanto seculares, promovendo o bem-estar do doente e familiares.³ Na contemporaneidade, os cuidados paliativos no final de vida têm sido identificados como um componente chave na medicina de alta qualidade para o cuidado de crianças e adolescentes com doenças avançadas². O que facilita o entendimento e aceitação da morte como uma parte natural da vida e não por uma busca que prolongue nem apresse a morte1. Objetivo: Avaliar como os cuidados paliativos e a espiritualidade influenciam em crianças com neoplasias. Metodologia: Foi realizada uma revisão narrativa na base de dados MEDLINE Complete com os descritores disponíveis no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) Spirituality and Palliative Care and Neoplasms and Children. Foram encontrados 91 artigos e após aplicar critérios de exclusão (estudos secundários, estudos que abordaram faixa etária acima de 21 anos, artigos que não estavam nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola e que não respondiam a questão norteadora desta revisão) 7 artigos foram analisados. Desenvolvimento: Um estudo prospectivo foi realizado por RosaLee Kamper et al baseado em métodos mistos usando auto-relato da criança e relatórios de profissionais de saúde a fim de captar as respostas das crianças entre 6 e 17 anos ao questionário "Qualidade de vida espiritual" junto com as implicações da prática clínica. Dos entrevistados, 78% relataram que fizeram algo para se sentir próximo de Deus e 59% deles oraram por sentido de normalidade. A entrevista proporcionou uma oportunidade para as crianças falarem mais sobre suas preocupações espirituais, crenças e sentimentos. A natureza longitudinal do estudo tornou possível para muitas das crianças estabelecer uma continuidade e um ambiente confortável para fornecer informações ao pesquisador, além de fornecer maior entendimento sobre as preocupações das crianças com o bem-estar de suas famílias, particularmente os pais, bem como comentários sobre interesses e pontos de vista relativos às suas crenças em relação a um ser superior4. Um ensaio clínico randomizado buscou avaliar a qualidade do Planejamento de Cuidados Antecipados Centrados na Família (FACE) para que os cuidadores entendam e respeitem as preferências dos pacientes adolescentes para cuidados futuros, quando estiverem impossibilitados de falar. O estudo baseou-se na Avaliação Funcional da Terapia de Doenças Crônicas - Bem-estar Espiritual - Versão 4 (FACIT-Sp-EX-4). O kappa ajustado pela prevalência e o kappa ajustado pelo viés (PABAK) mediram a congruência no FACIT-Sp-EX-4. Foram incluídos 126 adolescentes, com média de 16,9 anos. As classificações religiosas/ espirituais foram: católica (n = 18), protestante (n = 76), mórmon (n = 3), nenhuma/ ateu (n = 22), outra (n = 5) e desconhecida (n = 2). Foi avaliada a concordância em nível de item entre bem-estar espiritual de adolescentes e famílias. Três itens tiveram concordância ≥ 90% e PABAK excelente, os adolescentes afirmaram que tinham uma razão para viver, sentiam-se amados e sentiam compaixão pelos outros nas dificuldades que estavam enfrentando. Outros três itens tiveram concordância < 61% e PABAK insuficiente, afirmando que sentiam uma sensação de harmonia de si, que a doença fortaleceu a fé ou crenças espirituais e sentiam-se conectados a um poder superior (ou Deus). Ainda nessa pesquisa, os membros da família do sexo masculino (mediana de 72%) eram menos propensos a compartilhar crenças espirituais com os adolescentes quando comparados aos membros da família do sexo feminino (mediana de 83%), p = 0,01945. Um outro ensaio clínico randomizado avaliou a aplicabilidade de cuidado pediátrico avançado, nesse estudo, a pontuação de intervenções com adolescentes aumentou ao longo do tempo (65-83%) e houve queda de ansiedade após 3 meses da intervenção. Os escores de espiritualidade total foram maiores em adolescentes incluídos no Planejamento de Cuidado Avançado Centrados na Família para Adolescentes com Câncer (FACE) quando comparados com o grupo controle. Junto a isso, os adolescentes FACE indicaram o melhor momento para trazer decisões de fim de vida: 19% antes da doença, 19% no diagnóstico, nenhum quando hospitalizado, 25% quando morrendo e 38% para todas as outras opções acima. O Planejamento de Cuidado Avançado Centrados na Família para Adolescentes com Câncer demonstrou aplicabilidade e aceitação entre os pacientes6. Uma análise qualitativa de entrevistas de grupos focais, que buscou explorar a experiência de final de vida de crianças com tumores cerebrais e as respectivas famílias, avaliou como a esperança e a resiliência eram mantidas. Quanto a preservar esperança, esse domínio indicou importância como fortalecedor da criança e da família diante das adversidades, mesmo que nas fases finais da vida. As famílias descreveram a capacidade de suportar duas crenças dicotômicas: o realismo do filho quanto ao prognóstico ruim e a busca por um milagre. Também houve descrições dos pais sobre a força e a resiliência que os filhos, sobretudo adolescentes, demonstraram durante a doença. Essas descrições estavam no contexto de respeito e admiração pelo filho porque os pais não acreditavam ter a mesma força que eles. Nessas famílias, a trajetória de morte de crianças com tumores cerebrais criou desafios significativos para os profissionais de saúde e os pais das crianças7. Um estudo de coorte buscou descrever a prevalência e mudanças no uso das terapias alternativas complementares (CAM) em pacientes oncológicos com falhas na terapia de primeira linha. Dos entrevistados, 82% dos relataram usar CAM, destes 52% relataram início ou aumento do uso de CAM após a falha da terapia de primeira linha. A categoria CAM mais comumente usada foi oração/ cura espiritual (83%), que foi usada para curar ou retardar a progressão do câncer em 59% dos pacientes. Dos usuários CAM, 60% relataram que o oncologista responsável desconhecia o uso. A maioria dos participantes que usaram CAM não espiritual ou de oração continuou a usar enquanto hospitalizado ou durante o tratamento com quimioterapia. O uso das terapias alternativas para o câncer pediátrico, aumentou com a progressão da doença, embora seja frequentemente usado para melhorar a saúde e mitigar a toxicidade e não com fins curativos. Apesar da maioria dos pacientes não ter divulgado o uso dessa abordagem aos seus médicos, em geral os pacientes e os familiares expressam o desejo de maior comunicação com seus oncologistas em relação ao tema8. Maru Barrera et al investigaram e examinaram os principais componentes da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS), que surgem durante o fim de vida de uma criança. Nesse ensaio clínico, quatro domínios foram analisados: físico, psicológico, social e espiritual. No aspecto físico, a maioria das crianças estava relativamente bem, com o mínimo de sintomas ou efeitos colaterais ao tratamento. No entanto, a capacidade física limitada, surgiu como um tema que refletia séria preocupação com grandes implicações para a QVRS. A área que trouxe maiores desdobramentos foi a psicológica envolvendo: manutenção da normalidade, manutenção do controle, consciência da doença, consciência das mudanças corporais e tomada de decisão. Dentro do quesito social, a manutenção das relações familiares era um tema importante para pais e filhos e foi expressa em três áreas: compartilhamento aberto de informações, compartilhamento limitado de informações e foco em atividades familiares divertidas. O lado espiritual foi analisado sob a perspectiva de pais em relação ao significado da vida e a existência de um poder além deles mesmos, dentro desse domínio avaliou-se a manutenção da esperança, a conexão espiritual com Deus e o encontro de um sentido na vida. Além disso, foram considerados elementos-chave da qualidade de vida relacionados à saúde: a manutenção de um senso de normalidade e controle da vida diária, maximizando a diversão em família e tendo esperança para a vida9. Considerações: A espiritualidade, na abordagem de cuidados paliativos para crianças com neoplasias, demonstrou-se uma maneira de proporcionar melhor qualidade de vida na terminalidade para os pacientes, familiares e equipe. Nota-se que a espiritualidade, auxilia na orientação antecipatória fornecida às famílias e cria uma comunicação complementar entre os envolvidos nesse contexto. Todavia, ainda são necessárias metodologias e questionários mais consistentes para melhor avaliação da influência da espiritualidade nas crianças visando uma maior conscientização sobre as distintas questões nos cuidados paliativos de crianças com tumores. Referências: (1) QUEST, T. E.; MARCO, C. A.; DERSE, A. R. Hospice and palliative medicine: new subspecialty, new opportunities. Annals of emergency medicine, [s. l.], v. 54, n. 1, p. 94–102, 2009. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=mdc&AN=19185393&lang=pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 8 maio 2021. (2) EPELMAN, C. L. End-of-life management in pediatric cancer. Current oncology reports, [s. l.], v. 14, n. 2, p. 191–196, 2012. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=mdc&AN=22350329&lang=pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 9 maio 2021. (3) LION, A. H. et al. Chaplain care in pediatric oncology: Insight for interprofessional collaboration. Pediatric blood & cancer, [s. l.], v. 66, n. 12, p. e27971, 2019. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=mdc&AN=31429523&lang=pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 8 maio 2021. (4) KAMPER, R.; VAN CLEVE, L.; SAVEDRA, M. Children with advanced cancer: responses to a spiritual quality of life interview. Journal for specialists in pediatric nursing: JSPN, [s. l.], v. 15, n. 4, p. 301–306, 2010. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=mdc&AN=20880278&lang=pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 26 maio 2021. (5) LIVINGSTON, J. et al. Shared spiritual beliefs between adolescents with cancer and their families. Pediatric blood & cancer, [s. l.], v. 67, n. 12, p. e28696, 2020. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=mdc&AN=32918519&lang=pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 10 maio 2021. 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Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=mdc&AN=21360653&lang=pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 9 maio 2021. (9) BARRERA, M. et al. Health-related quality of life and enrollment in phase 1 trials in children with incurable cancer. Palliative & supportive care, [s. l.], v. 3, n. 3, p. 191–196, 2005. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=mdc&AN=16594458&lang=pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 8 maio 2021. Fomento: -