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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA NO CONTEXTO DA COVID-19
André Luís Belmiro

Última alteração: 2021-07-09

Resumo


Introdução: Ao longo da história, diversas pandemias assolaram a população mundial, impondo mudanças em relação à organização social e produtiva. Neste âmbito, em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou a COVID-19 como pandemia, fazendo com que os indivíduos tivessem que se adaptar, criando novos paradigmas de ação coletiva em relação às formas de trabalho. Em mais de um ano de pandemia, até a conclusão deste relato de experiência, o Brasil acumulou um quantitativo de mortes que impôs problemas em diversos campos, dentre eles os sociais e educacionais. Com o isolamento social sendo a principal medida sanitária indicada pela OMS, as Instituições de Ensino tiveram que adaptar sua forma de trabalho para que mantivessem suas frentes de atuação, como a execução de projetos de extensão no âmbito das Instituições de Ensino Superior (IES). Dentro desse contexto, a extensão universitária se mostra um importante processo educacional ao articular o ensino, a pesquisa e a comunidade, viabilizando uma relação de troca mútua entre a universidade e a sociedade. Desta forma, podemos afirmar que a extensão universitária se torna ainda mais fundamental em um momento em que a sociedade necessita que o conhecimento acadêmico atinja à população como forma de amenizar os impactos da pandemia da COVID-19. Em tempos de distanciamento, o período pandêmico transformou estratégias de contato entre a universidade e a sociedade, incorporando as ferramentas digitais como principal meio de organização, mobilização e disseminação de informações. Assim, alunos extensionistas estão sendo desafiados a transformarem suas habilidades e competências ao repensarem estratégias de contato com o mundo fora das universidades. Dessa forma, ao longo da pandemia, a extensão universitária vem sendo percebida em diversos setores, desde a realização de projetos de confecção de equipamentos de proteção individual, produção de álcool em gel, implementação de softwares de consolidação de dados sobre a doença, produção de ventiladores mecânicos de baixo custo, promoção de educação em saúde relacionada à doença, até acompanhamento emocional de estudantes e membros da comunidade. Dentre estas atuações, destaca-se a importância da extensão no acolhimento da saúde mental da sociedade. A atenção aos aspectos mentais da sociedade e dos alunos extensionistas devem ser priorizados nesse contexto pandêmico. Desta forma, torna-se interessante a construção de espaços de acolhimento para estas pessoas, a partir da execução de rodas de Terapias Comunitárias Integrativas (TCI) de formas virtuais, onde alunos e comunidade tem a possibilidade de dialogar acerca dos seus sentimentos e suas vivências ao longo do período de isolamento social. A TCI compõe as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) desde março de 2017, sendo uma das PICS mais realizadas pelas equipes de Atenção Básica do Brasil. Essa prática é categorizada pelo Ministério da Saúde como uma intervenção psicossocial avançada, tendo como objetivos o empoderamento dos participantes e a criação de um vínculo entre academia e comunidade. Os seus fundamentos teóricos são embasados em 5 pilares: o pensamento sistêmico, a pragmática da comunicação humana, a antropologia cultural, a pedagogia de Paulo Freire e a resiliência. A partir do momento em que a principal ferramenta de trabalho da TCI é a comunicação verbal, esta torna-se aliada ao processo de visibilidade do sofrimento psíquico enfrentado pela comunidade. Ao compartilhar histórias e vivências, os indivíduos ajudam uns ao outros a superar suas dores e sofrimentos, fortalecendo-os na transposição dos obstáculos impostos pela pandemia do COVID-19. Objetivos: O objetivo principal deste estudo é o relato da experiência relacionada à execução de rodas de Terapias Comunitárias Integrativas virtuais, durante a pandemia da COVID-19, por alunos extensionistas do curso de medicina. Descrição Metodológica: O presente trabalho trata-se de um estudo descritivo, de âmbito qualitativo, do tipo relato de experiência, realizado por estudantes extensionistas do Projeto de Extensão Saúde na Comunidade de uma IES. Foram realizadas duas rodas de TCI, nos meses de março e maio de 2021, com a participação de alunos do curso. Em razão do isolamento social recomendado pela OMS, todo o trabalho foi realizado de forma virtual, a partir da utilização de uma ferramenta de conferência remota. O convite para participação da atividade foi realizado a partir de divulgação nas redes sociais do projeto de extensão. No primeiro encontro, realizado em 27 de março de 2021, foi contabilizada a presença de 14 participantes. Já no segundo encontro, em 1 de maio de 2021, foram contabilizados 21 participantes. As rodas seguiram o passo a passo das rodas de TCI: acolhimento, escolha do tema, contextualização, problematização e encerramento. Na inicialização dos trabalhos, a professora responsável pela atividade realizou o acolhimento dos participantes, com o objetivo de fazer com que todos os presentes despertassem o sentimento de inclusão e pertencimento ao processo. Neste sentido, foi solicitado que todos cantassem uma música de boas-vindas, além de se apresentar e informar motivos pessoais a serem compartilhados e comemorados pelo grupo, como os aniversariantes do dia, por exemplo. Uma dinâmica corporal também foi utilizada visando uma maior participação dos indivíduos no processo de partilha de sentimentos.  Na sequência, foi explicado aos participantes o processo da TCI, sendo explicitadas as regras. Este momento inicial é de extrema importância, sendo considerada a alma da terapia comunitária. Em um segundo momento, a facilitadora questionou o motivo da presença de cada um dos participantes. Nesta etapa, o objetivo foi listar as inquietações e sofrimentos vividos. Como esperado, inicialmente as pessoas permaneceram caladas, demonstrando receio em compartilhar as suas dores e mágoas. Neste contexto, foi de suma importância a utilização provérbios culturais pela facilitadora para encorajar a fala. Desta forma, foi pedido para que se falasse com a boca para não falar com os órgãos, em uma alusão à somatização dos sentimentos negativos que carregados pelo grupo. Destaca-se que o foco deve ser nas emoções e não nos problemas. Levando este fato em consideração, foi pedido que todos do grupo apontassem identificação com as histórias relatadas, sendo a história a ser trabalhada na roda escolhida por meio de votação. Essa identificação é importante para que seja criada uma empatia no grupo, já que este processo envolve o reconhecimento pessoal no problema do outro. Em ambas as rodas de terapias realizadas, as histórias compartilhadas estavam relacionadas com aspectos mentais decorrentes da pandemia do COVID-19, com destaque para a ansiedade acerca do futuro, medo em razão das lacunas na formação acadêmica devido à substituição das aulas presenciais por virtuais, preocupação excessiva com a segurança e saúde dos pais, impossibilidade de apoio religioso de forma presencial, problemas de convivência na quarentena, sobrecarga de trabalho em razão do acúmulo de atividades acadêmicas e a maternidade e sentimento de prisão ocasionado pelo isolamento social. Na primeira roda, o tema escolhido foi a ansiedade acerca do futuro. Por sua vez, na segunda roda, o tema escolhido foi a preocupação com o futuro profissional em razão das lacunas geradas pelo ensino à distância. Para cada encontro, a partir da história escolhida, foi realizada a etapa de contextualização, onde o grupo foi estimulado a realizar perguntas com o objetivo de compreender os sentimentos envolvidos. Neste momento, o dono da história escolhida, assim como todos que se identificam com ela, foram inseridos em um momento de reflexão, fazendo com que as angústias e ansiedades fossem discutidas e analisadas.  Após o momento de contextualização, foi o momento dos protagonistas ficarem em silêncio para que o grupo iniciasse a partilha das suas experiências. Nesta etapa, a facilitadora questionou o grupo sobre quem já viveu experiências parecidas e o que fez para superá-las, fazendo com que as possibilidades de enfretamento dos problemas apontados começassem a surgir., permitindo o manejo do sofrimento. Desta forma, naturalmente foi se formando uma rede de apoio social, onde os sentimentos partilhados não eram mais individuais e sim coletivos.  Por fim, a roda de terapia foi encerrada com a facilitadora questionando ao grupo sobre o que cada um levou para si do processo de partilha, estimulando o pensamento positivo frente aos problemas discutidos, estimulando sentimentos como afetividade, amor e segurança.  Após os encontros, o grupo de extensão avaliou os resultados obtidos e discutiu sobre pontos de melhoria para as próximas rodas de terapia. Resultados: A prática de TCI está alinhada com o pensamento da educação freiriana ao permitir que os sujeitos do processo reflitam e proponham ações frente à realidade da vida, buscando a transformação necessária em tempos de exceção, como o que está sendo vivenciado com a COVID-19. Neste âmbito, a TCI se coloca como uma ferramenta de espaço de compartilhamento e reflexão coletiva, o que proporciona a leitura do outro e de si mesmo, possibilitando a partilha de sentimentos, emoções e aspectos espirituais entre os participantes. Em ambas as rodas de terapia realizadas, observou-se o empoderamento do grupo frente aos desafios impostos tanto pelo distanciamento social, quanto pelas incertezas relacionadas ao futuro. Preocupações individuais se tornaram coletivas, fazendo com que os participantes percebessem que não estão sozinhos. É importante destacar a importância da cura através da fala. Ao compartilhar suas histórias, os participantes promovem um mecanismo de ação-reflexão que permitem com que os sentimentos negativos, antes internalizados, sejam aflorados, discutidos e amenizados, fazendo com que a prática integrativa em questão se mostre como um importante meio de apoio à comunidade, utilizado como forma de enfrentamento da crise atual. Outro fator a ser destacado é a expansão de novas formas de se realizar esse tipo de atividade, já que, antes da pandemia, as rodas eram realizadas apenas presencialmente. Com o advento da tecnologia, a prática pode ser ampliada para espaços virtuais onde os limites geográficos não são impostos, o que permitiu a presença de participantes oriundos de diferentes regiões. A partir da correta facilitação e acolhimento, o envolvimento entre os indivíduos foi obtido de forma satisfatória, fazendo com que a distância física não impactasse nos resultados obtidos a partir da execução das atividades. Considerações: O trabalho em questão traz o cenário vivenciado por alunos extensionistas do curso de medicina no contexto pandêmico da COVID-19.  O relato de experiência mostra um resgate do registro da execução de duas rodas de TCI realizadas com o objetivo de acolher alunos frente aos problemas vivenciados em decorrência do isolamento social, revelando sensações, emoções e sentimentos ligados às questões mentais acarretadas pelas incertezas do cenário atual. Cada encontro realizado mostrou-se como uma construção única, já que envolve a complexidade humana presente no processo, tendo a TCI como meio de articulação de saberes em prol da busca por caminhos a seguir. Todo o processo, a partir do foco nas pessoas, é objetivo, sendo realizado em etapas previamente estabelecidas, com regras bem definidas, para que não haja espaço para improvisos e julgamentos.