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Gestão de reservatórios em clima mediterrânico: Integridade Ecológica e Eutrofização
Manuela Morais, Maria Helena Novais, Susana Nunes, Alexandra Penha, Joana Rosado

Última alteração: 2015-07-17

Resumo


1. Introdução

O aumento da população humana na primeira década do seculo XXI foi estimado em cerca de 100 milhões/ano. Se consideramos uma produção per capita de 4g de fósforos, de 15 g de nitrogénio e de 100g de carbono, rapidamente nos apercebemos dos graves problemas de eutrofização que a humanidade terá que enfrentar à escala global [1]. Por outro lado o acesso à água tornou-se num dos principais desafios do século XXI, sobretudo se tivermos em consideração que mais de um bilião de pessoas, principalmente nos países em desenvolvimento, não tem acesso a água potável [2, 3].

É neste contexto que a construção de barragens para criação de reservatórios estratégicos de água continua a ser a opção mais recorrente como forma de obter água onde esta é necessária. Por isso mesmo, frequentemente, os reservatórios situam-se em regiões onde naturalmente não existem condições para a manutenção de uma boa qualidade da água. A gestão dos reservatórios é uma tarefa muito complexa, que necessita de uma abordagem interdisciplinar para uma otimização do uso da água, compatível com a integridade ecológica dos ecossistemas associados (aquático e terrestre envolvente).

Esta problemática assume particular relevância nas regiões áridas e semiáridas, onde a escassez hídrica representa uma ameaça para a humanidade e para a biosfera como um todo. Nas regiões de clima mediterrânico a escassez de água é também uma realidade, contribuindo para tal, o clima caracterizado por apresentar uma estação seca bem definida com temperaturas elevadas e uma grande variabilidade inter-anual da precipitação. Em alguns países da região mediterrânica o uso da água está a aproximar-se da capacidade máxima deste recurso, prevendo-se que por volta de 2025 a disponibilidade de água per capita se reduza para menos de 50% do nível atual [3, 4].

Nas últimas três décadas, Portugal passou de um país sem lagos, a outro com mais de 100 reservatórios. Tal como os lagos naturais, os reservatórios estão ameaçados pela contaminação e fertilização contínuas. Estando estes associadas à ação do homem, pode-se dizer que os reservatórios criados como uma consequência da civilização estão desde o seu início fatalmente condenados à eutrofização, em algumas situações de uma forma muito acelerada [5].

É objetivo do presente trabalho apresentar os resultados de monitorização do reservatório do Enxoé, situado na bacia do Guadiana no sul de Portugal. Este é um sistema eutrofizado, com potencial ecológico inferior a Bom (critérios da DQA), para o qual são discutidas e propostas medidas de gestão que promovem a integridade ecológica e consequentemente o estado trófico e o potencial ecológico.

2. Metodologia

O reservatório do Enxoé foi monitorizado em três locais (i.e zona lótica, zona de transição, zona lacustre) de setembro de 2010 a março de 2012 num total de 24 campanhas. Em cada local foram realizados perfis verticais de temperatura, oxigénio dissolvido-OD, pH, potencial redox e turbidez, através da utilização de uma sonda multi-paramétrica (TROLL 9500 PROFILER XP). As amostras de água foram colhidas a duas profundidades (superfície e fundo) para a análise laboratorial de 7 parâmetros físico-químicos (nitrogénio total, nitratos, nitritos, fosforo total, fósforos solúvel reativo, sólidos suspensos totais-SST e matéria orgânica-MO, segundo métodos descritos por APHA, 1995). Complementarmente em cada local foi colhida uma amostra composta, representativa da zona eufótica, para a identificação do fitoplâncton (método de Wotherman) e quantificação da clorofila a (método de Lorenzen,1967). O fitoplâncton foi identificado através de microscópio (Leica DMl) com recurso a bibliografia específica, e.g. [6]; [7]; [8].

3. Resultados e Discussão

A temperatura variou de 26ºC no verão (período seco) a 15ºC no inverno (período húmido). No período seco a estratificação térmica esteve presente nos locais representativos da zona de transição e da zona lacustre, com a termoclina consistentemente observada a 6 metros de profundidade. Padrões similares foram observados para o OD, para o potencial redox e para pH, com um acentuado decréscimo de valores abaixo da termoclina. No que se relaciona com os nutrientes, e tal como esperado tendo em consideração o input exógeno proveniente da bacia, o nitrogénio total, o fósforo total, os SST e a MO, foram tendencialmente mais elevados na zona lótica, sendo evidente a existência de um decréscimo longitudinal. Por outro lado, considerando a variação vertical na coluna de água, as concentrações mais elevadas foram observadas no fundo, com os valores superiores especialmente observados no período seco, em situação de anoxia no fundo. Pelo contrário os nitratos não apresentaram um padrão específico de variação.

Em geral, os valores de clorofila a foram elevados, acima do limite que classifica o sistema como eutrófico e a sua variação espacial e temporal, foram consistentes com a variação de OD e MO, sendo evidente a existência de uma relação entre a biomassa fitoplanctónica e os nutrientes. Em termos de composição fitoplanctónica foi também observado um gradiente longitudinal. As cianobactérias foram dominantes no período seco, progressivamente substituídas por outros grupos algais, nomeadamente criptófitas, dominantes no período húmido. As clorófitos apenas foram dominantes em duas situações de primavera.

A análise global dos resultados confirmou estudos anteriores, desmontando que o reservatório do Enxoé está eutrofizado com um potencial ecológico inferior a Bom. As variáveis que contribuíram para esta classificação foram o oxigénio dissolvido e o fósforo total, sendo que as concentrações de clorofila a e a dominância das cianobactérias em período seco são indicadores desta situação.

4. Considerações finais

Com o objetivo de identificar as medidas necessárias para melhorar o estado das massas de água, é necessário, num primeiro passo, identificar as principais causas que contribuem para o não cumprimento das condições para o Bom estado e para situações de Eutrofização, podendo estas ser agrupadas em três categorias. Focos de pressão pontual; pressão difusa; modificações/ pressões até 50 m da linha de água. Os focos de pressão pontual relacionam-se com efluentes de Estações de Tratamento de Águas Residuais mal dimensionadas ou inadequadas com baixa eficiência e com efluentes não tratados de atividades urbanas e industriais que drenam diretamente para os reservatórios. A pressão difusa tem origem nas diferentes atividades na bacia de drenagem, relacionadas com a agricultura, com a carga animal, com a indústria e com a ocupação urbana. Consequentemente é difícil quantificar a carga orgânica resultante que entra nas massas de água. Esta dificuldade surge agravada no Sul de Portugal, onde a maioria dos cursos de água são de regime temporário resultante da distribuição anual da precipitação que ocorre de uma forma irregular frequentemente sob a forma de eventos torrenciais que arrastam materiais e contaminantes ao longo da bacia e dos rios e que posteriormente se irão acumular a jusante, nos reservatórios.

As modificações físicas na zona litoral, na zona de margem e as ações desencadeadas pelo homem na massa de água alteram a integridade ecológica dos reservatórios com consequências diretas no seu funcionamento, nas comunidades biológicas, na qualidade da água e consequentemente no estado de eutrofia.

Torna-se pois urgente adotar medidas de gestão e proteção destes sistemas particulares por forma a: (i) melhorar a qualidade da água, principalmente em períodos de escassez; (ii) transmitir conhecimentos para a gestão dos reservatórios, do solo, da energia e da biodiversidade, na perspetiva da participação comunitária e do desenvolvimento sustentável em equilíbrio com o ambiente. Acreditamos que em regiões com reduzida precipitação, um aproveitamento eficiente da água poderá conduzir a uma melhoria das condições de vida das comunidades locais, mesmo ocorrendo esta de forma irregular e em quantidade reduzida.

Referências Bibliográficas

[1] Mendiondo, E. M. Global review of lakes and reservoirs eutrophication and associated management challenges, disponível online: http://wldb.ilec.or.jp/ILBMTrainingMaterials/resources/eutrophication_challenges.pdf (acessado em 11 de junho de 2015)

[2] Molden D, Frenken K, Barker R., 2007. Trends in water and agricultural development. In Water for food, water for life: A Comprehensive Assessment of Water Management in

Agriculture (ed D Molden). London, 57-89 pp.

[3] Rosado, J. & M. Morais, 2010. Climate change and water scarcity: from a global scale to particular aspects in Mediterranean region (Portugal). Science and Technology for Environmental studies: Experiences from Brazil, Portugal and Germany (ed. Luiz Sens, M & Mondardo, R. I). Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. 15-27 pp

[4] Ragab, R. & A.  Hamdy, 2004. Water Management Strategies to Combat Drought in the Semiarid Regions. In: Water Management for Drought Mitigation in the Mediterranean (eds. Hamdy, A. & Trisorio-Liuzzi, G.) (Centre International de Hautes Etudes Agronomiques Méditerranéennes) 47-112. Tecnomack – Bari, Italy.

[5] Morais M., M. do C. Sobral, H. Silva, G. Melo, A. Pedro, J. J. S. P. Cabral & P. Sarmento, 2011, Qualidade da água em reservatórios in Recursos Hídricos para a Convivência com o Semiárido, editado por Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) e Cooperação Internacional do Semiárido (CISA), Porto Alegre: 301-330.

[6] Bourrelly P., 1966. Les algues d´eau douce. Initiation à la systématique. Tome I : Les algues vertes. Édition N. Boubée & Cie, Paris, 511pp.

[7] Cleve-Euler A., 1951. Die Diatomeen von Schweden und Finland. Almquist & Wiksells, Bokyryckeri, Stockholm, 1580 pp.

[8] Komáreck, J. & K. Anagnostidis, 1989. Modern approach to the classification system of cyanophytes. 3 Nostocales. Arch Hydrobiol. Suppl. 82: 247-345.